Só do luar temos as mãos que juram o tempo. Dizem: a última vez. Nós é que ultimamos a vez em que nos deitamos ao poema. Sua é a palavra sem medo, o sortilégio expropriado à sorte. Não gostamos de profecias. Não queremos saber quando é a última vez.
3.3.24
O tempo sem modo
2.3.24
Renorte
Assaltas as vozes sísmicas que levantam
o medo.
Juntas os estilhaços que herdaste
contas as espadas puídas
e adivinhas
os litros de sangue derramados
a estultícia que soa aos séculos atravessados.
Povoas as fortalezas:
crês que não têm validade
os oráculos escondidos atrás dos ossos
os chapéus desfilados no fingimento de eruditos.
Antes fossem atrasos
os disfarces de progresso
antes houvesse indigência a atapetar as ruas
esgrimindo os rostos transidos de medo
e todos os desejos tivessem assinatura diária.
Para depois
em cantos desastrados
descobrirmos os tentáculos que tudo sufocam
e num golpe certeiro
cortar a goela destes mastins
para então deixar assentar
a luz fria que destoa da servidão.
1.3.24
O dono da sonoplastia
Pretérito eterno
interno mérito
ou o prefácio flácido
do fleumático ático.
Eterno o interno
sem o governo ermo
fica-lhe bem o termo
como pretérito prefácio
ou apenas flácido
fleuma sem chama
que chama o verbete
fora da enciclopédia.
29.2.24
Protetorado
Sem a fala amanhecida
os dedos pedem um cicerone
suplicam
a melhor água de mananciais remotos
até que seja audível a carne
até
que se prometam árvores bucólicas
o tempo imoderado nos espelhos arrumados
um poema improvável
as notas escarlate sobre o veludo da pele
até
que se desatem os medos profundos
e tudo o que seja sobressalto
venha no rosto caudaloso
e detestadas sejam
as algemas que amordaçam as vozes
– as vozes que têm tantas falas
em saldo.
Injustiças indocumentadas (303)
Pela lógica dos mercados
este bissexto dia
devia valer
quatro vezes mais
que os outros dias.
28.2.24
27.2.24
Estado atual: a pregar uma partida a Narciso
Que pareçam balofos
os patriarcas tonitruantes
os que emprestam perfume garrido
à passagem
inebriados
constantemente inebriados
pelo secular espelho que os devolve
em sumptuosas silhuetas
que muito os envaidecem.
Ainda bem:
enquanto se esgotarem
na frivolidade das silhuetas
de que não são mais
não causam grande dano.
26.2.24
Eclipse
O eclipse aviva a penumbra
como se as sombras vivessem
nas costas das mãos.
As conchas cadáveres
exibem as praias da sua predileção.
Os mais velhos
sem sono
escondem da noite as rugas
só para a manhã não açambarcar
os dedos trémulos dos relógios.
Injustiças indocumentadas (301)
Contam-se
as cabeças de gado.
O resto
(dos corpos)
parece que não importa.
25.2.24
24.2.24
23.2.24
Narizes e matéria nauseabunda
Narizes aduncos
e outros adelgaçados
farejam os interstícios da vulgaridade
assim como porcos usados na apanha de trufas.
A merda gravitacional
não se pondera na hora da soltura.
Diremos:
chiqueiro
e não sabemos
mas afocinhamos na balsa fétida
o lugar onde descamisamos linhagens
e ficamos ao nível de uma escatologia sistemática.
Não estranhem
que andem tantas moscas
por aí.
#3072
Antes que seja preciso desconversar
empurram-se os talheres para os dedos
e pergunta-se à lua se vai sair à noite.
22.2.24
Resumo
A boca desenha os frutos
não se importa que sejam
depois
a medida da podridão:
os frutos também perecem
o que serve de conforto
para o embaraço que é
a finitude aplicada às pessoas.
Os frutos vêm à boca
convocam a madurez
incógnita para o sangue;
avivamos o magma
com o frescor dos frutos
e não há o que dizer
da boca assim domesticada.
21.2.24
#3070
Tramita
o jurisconsulto
no justo travar do locupletamento
repristinando o equânime latejar
convertendo os pirómanos ao sinalagma.