14.4.24

Roll the dice

Joga-se com o caos

à espera 

do idioma da vingança

e ninguém repara

que o caos pode encomendar

a vingança 

como paga da usura. 

#3122

Arrefece

no sangue solene

a bala ao acaso,

o paradeiro incerto.

Injustiças indocumentadas (331)

Beco,

com saída.

 

[Vigília]

13.4.24

#3121

As asas sentadas no devaneio

conspiram com as nuvens:

doces são as horas a seguir

não o mosto arrancado ao torpor.

12.4.24

Baldio

Jorro

num jato

a jactância

e não cubro

nem cobro

o cobre acabrunhado. 

Luto

pelo luto

num lugar

em que medram

mortos em profecia

dos marcos finitos. 

Enceno

sem seno

o sino sentinela

depois do sono

sonso. 

Mondo

o mando métrico

sem mando

o monstro mancebo. 

Calço

o calço que cansa

na calça camba

que coça a cedilha. 

Um penso

no que penso

para não ter de pesar

o peso apenso.

#3120

O carrossel desfalece

no crepúsculo diuturno

arrumando a sombra capataz.

11.4.24

Sem as asas de um anjo

O objeto imóvel

espera

na paciência enferrujada

ou 

imerso em ciência imponderável

contra a matilha enfastiada

atirando as pedras angulares.

 

Sonha 

com a de agência dos visionários

sonha

enquanto, imóvel, 

anoitece no sono.

Injustiças indocumentadas (330)

O tira-teimas,

a tiracolo.

#3119

Corrigiu o futuro

antes de perceber

o que é um paliativo.

10.4.24

Bíblia ambiental

Deste petróleo

não dás a beber

que a inveja farta

não cabe no alforje.

 

Deste o petróleo

na encenação generosa

e não soubeste parir

a fratura do pretérito.

 

Deste petróleo minado

à míngua destarte

que pilhas amontoadas

servem para ser arcaico.

 

Não é desse petróleo

que verdes empenhados

aceitam loas

antes que seja funda a cova

e a terra-mãe se exaura 

num simulacro de solução.

Injustiças indocumentadas (329)

Arroz,

malandro!

#3118

Não se menoscabe

a roda-viva

pois a roda está viva.

9.4.24

Ramal

Casual

o desprendimento de um ramo

uma palavra mal colocada

deixando a frase a azedar

um cão faminto à espera dos despojos

a menina corada

envergonhada pelo senhor 

tão estranhamente amável

o circo desfeiteado pela alarvidade da chuva

o mosto arrumado nos desperdícios

um planisfério em forma de candeeiro

(ou o contrário, se calhar)

a moeda metida entre os dentes salários

a vetusta matrona depois da dieta

o chocalho da vaca no testamento da manhã

o homem possuído pela coragem admirável

os navios numa nesga do rio

o corcel desemparelhado

as fuças de um lobo atrevido

a mata que esconde o calor

três mil seiscentos e quatro euros de multa

o diâmetro enfiado na culatra

as pegas com os dentes podres, a grasnar

o tira-teimas a tiracolo

a desseleção nacional, ah pois é!

a matriz dos selos usados

a catedral ruidosa

a central de cervejas confundida com oásis

o camartelo (apenas)

a senhora com a perna matematicamente cruzada

o arroz salgado

as portas com a serventia do avesso 

a pedra remendada antes que seja lousa

ou a ametista

o património da desumanidade

o acaso do ocaso

o miradouro esquecido na página anterior

o percutir assimétrico do comboio

a vantagem complementar

as gravatas colonizadas pelo bolor

o xadrez puído

o senhor engenheiro estacionado no lugar proibido

a maturidade à procura de paradeiro

o indexante asfixiante do mutante

a razia, a razia principal

o fumo denso do tabaco proscrito

(que a civilização avança

oh, se avança!)

a vingança frita no óleo dos rissóis

os zangões impecavelmente zangados

o florete perdido na paragem do metro

a trovoada que foge do entardecer

a câmara municipal não sabe do autarca

a moda saiu de moda

o esquilo a fazer pose

o ministro da pátria imovelmente esquecida

o desarranjo intestinal

o quadro em branco

as marias exiladas e os manuéis estatuados

a pose – silêncio – de – respeitinho – estadista

o curso de desinformação

mais o preço da moeda má. 

Uma ilustração. 

O eclipse a passar de rasante

e o canto dos pássaros 

a fazer lembrar 

o uivo dos lobos avulsos.

#3117

Os faróis nos máximos

para diluir a noite

na véspera dos olhos rasgados.

8.4.24

Rua direita

Acabou

o século vigente

na boca de demónios sem sangue

disfarçados em métricas errantes

bolos averbados no distante extinto

que se usa na manga arregaçada.

Injustiças indocumentadas (328)

O rei e o roque

o presidente e o rol.

Injustiças indocumentadas (327)

O pobre,

a lamber botas;

quando podia lamber

lascivamente.

#3116

Desminado o crepúsculo

seguia o dia o curso viável

esperando o sonho

incontroverso.

7.4.24

Mausoléu a dias

Mudas as chaves, talvez compense; 

da noite reclamas o apátrido silêncio

cultivas o fingimento para não seres 

inverosímil presa dos altivos marçanos

mobilizados a favor da indigência

e tu, solteiro de causas,

no sopé da perplexidade

desafias os dentes de tigre mordidos na carne

folgas com a obediência dos demais

sem saberes o que fazer

com tanta rebeldia estacionada nas mãos. 

 

Arrumas as sílabas ao canto esquerdo da página

para não seres surpresa para os conhecidos

e absolves as cordilheiras onde empilhada

descansa a volumetria do desvario. 

 

A lama adesiva 

esconde-se nos interstícios da alvorada

como se fosse 

um posfácio do dia vespertino

ou uma ponte fizesse a junção dos dias separados

e tu, provocador sem estrado,

estilhaçasses as bocas plausíveis

dos engenheiros da letargia. 

 

Não te comoves com a bondade apática;

deixas a escotilha aberta

para os enigmáticos pesares que arrebatas

dos lutos limítrofes. 

Convocas o adeus

essa sumptuosa declaração de finitude

convencido da probabilidade da morte.

#3115

Estendeu o dia 

até sair do perímetro dos braços 

só para sentir 

o que é a soberania.

6.4.24

Setentear

Setentear

como se pedissem à pele

um ocaso

o sexo embriagado

em memórias de nevoeiro.

#3114

A candeia amestrada

bruxuleia, hesitante:

faz-se ao caminho incógnito.

5.4.24

Injustiças indocumentadas (326)

Creio poder afirmar

com toda a propriedade

antes ser assim

do que assado.

#3113

A boca sem aval

no auto frágil do dia

avança com as sílabas inteiras.

Injustiças indocumentadas (325)

Trás-os-Montes.

Traz 

os montes.

4.4.24

Harmonização

De todas as tochas

acesas as que simulam a sede

que nem mil rios encobrem

o hesterno pesar pela prosa vindoura. 

Ai de nós

que apoucamos a pele que temos

e por miragens nos fingimos heróis

vetustos a destempo

no contratempo deslindado 

sob os holofotes dos profetas desmentidos. 

De todas as tochas

empunho as que vertem lágrimas de seda

e desmontam os desperdícios de palavras. 

Desses

risivelmente gongóricos

em marés baixas que anoitecem avulsas

trocando sílabas por indolência

de todas as corrupções a maior.

Injustiças indocumentadas (324)

Das boas línguas

ninguém 

fala.

Injustiças indocumentadas (323)

Tira as teimas 

antes que 

as teimas te tirem a ti.

#3112

A fábrica do rancor

onde sangue e azedume

juram ódio perene.

3.4.24

Espelho baço

[Espelho baço,

espelho baço

diz-me 

quem a autoestima

tem em pior cadastro

do que a minha.]

 

Sei que não é poético

fazer um poema que começa por

varizes.

 

Antes que sobre mim se abatam

os anátemas

em minha defesa tenho a dizer

que só tentei ser

poeta.