Joga-se com o caos
à espera
do idioma da vingança
e ninguém repara
que o caos pode encomendar
a vingança
como paga da usura.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Joga-se com o caos
à espera
do idioma da vingança
e ninguém repara
que o caos pode encomendar
a vingança
como paga da usura.
As asas sentadas no devaneio
conspiram com as nuvens:
doces são as horas a seguir
não o mosto arrancado ao torpor.
Jorro
num jato
a jactância
e não cubro
nem cobro
o cobre acabrunhado.
Luto
pelo luto
num lugar
em que medram
mortos em profecia
dos marcos finitos.
Enceno
sem seno
o sino sentinela
depois do sono
sonso.
Mondo
o mando métrico
sem mando
o monstro mancebo.
Calço
o calço que cansa
na calça camba
que coça a cedilha.
Um penso
no que penso
para não ter de pesar
o peso apenso.
O objeto imóvel
espera
na paciência enferrujada
ou
imerso em ciência imponderável
contra a matilha enfastiada
atirando as pedras angulares.
Sonha
com a de agência dos visionários
sonha
enquanto, imóvel,
anoitece no sono.
Deste petróleo
não dás a beber
que a inveja farta
não cabe no alforje.
Deste o petróleo
na encenação generosa
e não soubeste parir
a fratura do pretérito.
Deste petróleo minado
à míngua destarte
que pilhas amontoadas
servem para ser arcaico.
Não é desse petróleo
que verdes empenhados
aceitam loas
antes que seja funda a cova
e a terra-mãe se exaura
num simulacro de solução.
Casual
o desprendimento de um ramo
uma palavra mal colocada
deixando a frase a azedar
um cão faminto à espera dos despojos
a menina corada
envergonhada pelo senhor
tão estranhamente amável
o circo desfeiteado pela alarvidade da chuva
o mosto arrumado nos desperdícios
um planisfério em forma de candeeiro
(ou o contrário, se calhar)
a moeda metida entre os dentes salários
a vetusta matrona depois da dieta
o chocalho da vaca no testamento da manhã
o homem possuído pela coragem admirável
os navios numa nesga do rio
o corcel desemparelhado
as fuças de um lobo atrevido
a mata que esconde o calor
três mil seiscentos e quatro euros de multa
o diâmetro enfiado na culatra
as pegas com os dentes podres, a grasnar
o tira-teimas a tiracolo
a desseleção nacional, ah pois é!
a matriz dos selos usados
a catedral ruidosa
a central de cervejas confundida com oásis
o camartelo (apenas)
a senhora com a perna matematicamente cruzada
o arroz salgado
as portas com a serventia do avesso
a pedra remendada antes que seja lousa
ou a ametista
o património da desumanidade
o acaso do ocaso
o miradouro esquecido na página anterior
o percutir assimétrico do comboio
a vantagem complementar
as gravatas colonizadas pelo bolor
o xadrez puído
o senhor engenheiro estacionado no lugar proibido
a maturidade à procura de paradeiro
o indexante asfixiante do mutante
a razia, a razia principal
o fumo denso do tabaco proscrito
(que a civilização avança
oh, se avança!)
a vingança frita no óleo dos rissóis
os zangões impecavelmente zangados
o florete perdido na paragem do metro
a trovoada que foge do entardecer
a câmara municipal não sabe do autarca
a moda saiu de moda
o esquilo a fazer pose
o ministro da pátria imovelmente esquecida
o desarranjo intestinal
o quadro em branco
as marias exiladas e os manuéis estatuados
a pose – silêncio – de – respeitinho – estadista
o curso de desinformação
mais o preço da moeda má.
Uma ilustração.
O eclipse a passar de rasante
e o canto dos pássaros
a fazer lembrar
o uivo dos lobos avulsos.
Acabou
o século vigente
na boca de demónios sem sangue
disfarçados em métricas errantes
bolos averbados no distante extinto
que se usa na manga arregaçada.
Mudas as chaves, talvez compense;
da noite reclamas o apátrido silêncio
cultivas o fingimento para não seres
inverosímil presa dos altivos marçanos
mobilizados a favor da indigência
e tu, solteiro de causas,
no sopé da perplexidade
desafias os dentes de tigre mordidos na carne
folgas com a obediência dos demais
sem saberes o que fazer
com tanta rebeldia estacionada nas mãos.
Arrumas as sílabas ao canto esquerdo da página
para não seres surpresa para os conhecidos
e absolves as cordilheiras onde empilhada
descansa a volumetria do desvario.
A lama adesiva
esconde-se nos interstícios da alvorada
como se fosse
um posfácio do dia vespertino
ou uma ponte fizesse a junção dos dias separados
e tu, provocador sem estrado,
estilhaçasses as bocas plausíveis
dos engenheiros da letargia.
Não te comoves com a bondade apática;
deixas a escotilha aberta
para os enigmáticos pesares que arrebatas
dos lutos limítrofes.
Convocas o adeus
essa sumptuosa declaração de finitude
convencido da probabilidade da morte.
Creio poder afirmar
com toda a propriedade
antes ser assim
do que assado.
De todas as tochas
acesas as que simulam a sede
que nem mil rios encobrem
o hesterno pesar pela prosa vindoura.
Ai de nós
que apoucamos a pele que temos
e por miragens nos fingimos heróis
vetustos a destempo
no contratempo deslindado
sob os holofotes dos profetas desmentidos.
De todas as tochas
empunho as que vertem lágrimas de seda
e desmontam os desperdícios de palavras.
Desses
risivelmente gongóricos
em marés baixas que anoitecem avulsas
trocando sílabas por indolência
de todas as corrupções a maior.
[Espelho baço,
espelho baço
diz-me
quem a autoestima
tem em pior cadastro
do que a minha.]
Sei que não é poético
fazer um poema que começa por
varizes.
Antes que sobre mim se abatam
os anátemas
em minha defesa tenho a dizer
que só tentei ser
poeta.