Levo o auto ao prontuário:
é a revisão dos vinte mil
as palavras precisam de inspiração.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Todas as mãos são ecuménicas
beijam-se no avesso da lua
onde se encontram no atear da vontade.
Não se evitam
no lacustre evocar das calendas
pois mãos desse modo quase incestuosas
perfumam as convenções decadentes
com o pestilento unto que as desaprova.
Os murmúrios chegam para fazer uma voz.
Despertencem,
vagarosamente gastos
no diamante baço
roubado aos braços dormentes
adestrando coisas inverosímeis
que acabam na malha das possibilidades.
Pudessem os rios
nascer nas sombras dos rostos
pudessem alistar-se nos navios mercantes
e trazer vestígios dos lugares alcançados
só para os oferecerem
com a mão sabiamente estendida
até povoarem um sol da meia-noite
e serem caução de paisagens geladas
sepultando os abismos perpendiculares.
A boca do cão
fermenta a saliva
e as palavras embaciam
esbracejadas contra o cais tardio.
Mendigos disputam a madrugada
no ainda sono para os demais;
arrastam-se
as ácidas pestanas
disfarçam o dia nascido puído
– e eles,
robotizados no sofrimento fatiado,
arrastam-se pelo dia fora.
O ladrar dos cães
sente-se distante
mas ninguém sabe da matilha.
Houvesse ossos rejeitados por um talho
para a matilha ganhar um fio condutor
e os mendigos escolarizados
teriam então a arte de serem gregários.
Os cães
(dizem)
ficam a léguas da racionalidade
mas são os mendigos que mendigam.
Confissão,
um avesso escondido
quase a perder a linhagem
de segredo.
E:
segredo
verbos proscritos
no desembargo
de uma confissão.
Um adeus salgado
desaprova a melancolia.
A floresta funda
desamanhece os animais
os ramos ainda crepitando de sono.
Um filão esconde-se no silêncio.
Sujas são as águas
povoadas pela fala domesticada
reservadas num enquanto hesitante
como se fossem um robe matinal.
O orvalho escreveu uma estrada
e sei que não desfalecem
os mapas autistas:
se seguir as mãos superlativas
elas levam-me à harpa
que enfeitiça a História.
Esteiros de águas paradas
a banda larga no sonho das mãos
cavalgam marés iracundas
no salão de festas sem diplomatas.
Arroios inflacionados por tempestades
debandam detritos pretéritos
perdidos no tempo gasto
a caminho de um paradeiro ao acaso.
Motejos caídos no pano avulso
combinam com a leveza da tarde
deixando senhores de queixo caído
dantes sisudos por ora estrelares.
Atiravam palavras incendiadas
contra a muralha secular
porfiavam no coalhado estio das ideias
sem saberem o que é a diáspora
e a locomotiva que transporta a lua.
E assim ficaram
hibernados
num azulado dia ludita
falando com os azulejos
empurrando as horas contra o entardecer
deixando os bolsos cheios de alma.
A morte da bezerra
a tal em que muitos pensamos
sistematicamente
sem que da bezerra saibamos um avo.
Entre sílabas mortiças
o guerreiro saliva a audácia,
sua a nenhuma glória
na sepultura onde há de morar.
Desta matéria fecunda
o caudal espigado
perto do estuário frondoso
traz à tarde o olhar desembaraçado.
Da última vez
que limei arestas
os dedos ficaram puídos.
Agora
deixo a função
em hasta pública
e as mãos voltaram a ser
santuário.
Agora
as arestas
já não me incomodam
e todas as formas me parecem
a perfeição de sólidos
sem arestas.
Nem que seja
só por fingimento
uma liga metálica a dar consistência
ao desejo de ilusão.
É desta
que viro à esquerda(?):
the left is right
the right is (being) left.
Emancipados da noite
no solstício do Norte
concebemos as palavras
na assembleia
onde se terça a cortesia.
A noite extinta
devolve a saudade do sono
o sangue convulsivo acelera
na máscara do Verão abreviado.
Ficou por responder a pergunta
sobre o efeito curativo
da noite que não desterra a claridade.