24.6.24

#3192

Levo o auto ao prontuário:

é a revisão dos vinte mil

as palavras precisam de inspiração.

23.6.24

Injustiças indocumentadas (380)

Viajem 

a viagem.

 

[Aconselhamento]

#3191

Para memória futura:

cortejar 

não é esquartejar.

22.6.24

#3190

Ainda

há bruxas.

 

[Extinção, em vias]

21.6.24

Centenário

Todas as mãos são ecuménicas

beijam-se no avesso da lua

onde se encontram no atear da vontade. 

Não se evitam 

no lacustre evocar das calendas

pois mãos desse modo quase incestuosas

perfumam as convenções decadentes

com o pestilento unto que as desaprova. 

 

Os murmúrios chegam para fazer uma voz. 

 

Despertencem, 

vagarosamente gastos

no diamante baço 

roubado aos braços dormentes

adestrando coisas inverosímeis

que acabam na malha das possibilidades. 

 

Pudessem os rios 

nascer nas sombras dos rostos

pudessem alistar-se nos navios mercantes

e trazer vestígios dos lugares alcançados

só para os oferecerem

com a mão sabiamente estendida

até povoarem um sol da meia-noite

e serem caução de paisagens geladas

sepultando os abismos perpendiculares.

#3189

Extinto o dia

ateia-se a luz sobre o sono

a morada completa

de um palimpsesto da vida.

20.6.24

Matilha & mendigos

A boca do cão

fermenta a saliva 

e as palavras embaciam

esbracejadas contra o cais tardio.

 

Mendigos disputam a madrugada

no ainda sono para os demais;

arrastam-se

as ácidas pestanas

disfarçam o dia nascido puído 

– e eles, 

robotizados no sofrimento fatiado, 

arrastam-se pelo dia fora.

 

O ladrar dos cães 

sente-se distante

mas ninguém sabe da matilha.

Houvesse ossos rejeitados por um talho

para a matilha ganhar um fio condutor

e os mendigos escolarizados

teriam então a arte de serem gregários.

 

Os cães 

(dizem)

ficam a léguas da racionalidade

mas são os mendigos que mendigam.

Mordaça

Confissão,

um avesso escondido

quase a perder a linhagem

de segredo. 

 

E:

 

segredo

verbos proscritos

no desembargo 

de uma confissão. 

#3188

Apanhado em falso 

sem o chão sob os pés

à mentira disse presente.

19.6.24

Seara dos ventos

Um adeus salgado

desaprova a melancolia.

A floresta funda

desamanhece os animais

os ramos ainda crepitando de sono.

Um filão esconde-se no silêncio.

Sujas são as águas

povoadas pela fala domesticada

reservadas num enquanto hesitante

como se fossem um robe matinal.

O orvalho escreveu uma estrada

e sei que não desfalecem 

os mapas autistas:

se seguir as mãos superlativas

elas levam-me à harpa

que enfeitiça a História.

Injustiças indocumentadas (379)

Isso passa

com uma passa 

que passa e passa.

#3187

No olho de lince

vertida 

a certidão de lucidez.

18.6.24

Banda larga

Esteiros de águas paradas

a banda larga no sonho das mãos

cavalgam marés iracundas

no salão de festas sem diplomatas.

 

Arroios inflacionados por tempestades

debandam detritos pretéritos

perdidos no tempo gasto

a caminho de um paradeiro ao acaso.

 

Motejos caídos no pano avulso

combinam com a leveza da tarde

deixando senhores de queixo caído

dantes sisudos por ora estrelares.

Injustiças indocumentadas (378)

Tanto ultimam,

tanto ultimam 

que a última

não acontece.

#3186

O silêncio 

foge da fogueira

onde os tolos 

se incensam.

17.6.24

O holofote dos deuses

Atiravam palavras incendiadas

contra a muralha secular

porfiavam no coalhado estio das ideias

sem saberem o que é a diáspora

e a locomotiva que transporta a lua.

E assim ficaram

hibernados

num azulado dia ludita

falando com os azulejos

empurrando as horas contra o entardecer

deixando os bolsos cheios de alma.

Injustiças indocumentadas (377)

A morte da bezerra 

a tal em que muitos pensamos 

sistematicamente

sem que da bezerra saibamos um avo.

#3185

Entre sílabas mortiças

o guerreiro saliva a audácia,

sua a nenhuma glória

na sepultura onde há de morar.

16.6.24

Injustiças indocumentadas (376)

Fala, 

Woke: 

racista, 

o negro humor. 

#3184

Desta matéria fecunda

o caudal espigado

perto do estuário frondoso

traz à tarde o olhar desembaraçado.

15.6.24

#3183

Dançamos na margem

sentados sobre a opulência

de um atlas que desenhamos 

com as mãos.

14.6.24

Injustiças indocumentadas (375)

Um fundo

no fundo

ninguém sabe

o que no fundo é.

Injustiças indocumentadas (374)

Mata-se as saudades 

e ninguém paga o crime 

com prisão.

#3182

Sente-se 

à distância 

o uivo doloroso 

dos soldados.

13.6.24

Arestas demasiado limadas

Da última vez 

que limei arestas

os dedos ficaram puídos.

 

Agora 

deixo a função 

em hasta pública

e as mãos voltaram a ser 

santuário.

 

Agora

as arestas

já não me incomodam

e todas as formas me parecem

a perfeição de sólidos 

sem arestas.

 

Nem que seja

só por fingimento

uma liga metálica a dar consistência

ao desejo de ilusão.

Injustiças indocumentadas (373)

É desta 

que viro à esquerda(?):

 

the left is right

the right is (being) left.

#3181

O que fazer

com estas mãos 

contrabandeadas?

12.6.24

A noite clara

Emancipados da noite 

no solstício do Norte 

concebemos as palavras 

na assembleia 

onde se terça a cortesia. 

A noite extinta 

devolve a saudade do sono 

o sangue convulsivo acelera 

na máscara do Verão abreviado. 

 

Ficou por responder a pergunta 

sobre o efeito curativo 

da noite que não desterra a claridade.

Injustiças indocumentadas (372)

O testa-de-ferro

é o que tem a cabeça dura.

#3180

No úbere das ideias 

vencem as que se perdem 

no atraso do tempo.