Boas não são as novas
quando o verbo ser
é usado no pretérito imperfeito
e depois vem o nosso nome.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Boas não são as novas
quando o verbo ser
é usado no pretérito imperfeito
e depois vem o nosso nome.
Falava-se
do porvir
aquele que ainda está por vir
o futuro
se não usarmos erudição gratuita
à falta de se poder dizer
“a deus pertence”
(o registo de interesses
agnóstico
impede o reconhecimento do estatuto
– e, dê por onde der,
deus
se existisse
dificilmente queria saber do futuro
porque
se existisse
por definição de omnipresença
já sabia do futuro
de trás para a frente.)
Daqui para diante
a começar
no minuto que começa
dentro de sessenta segundos
é por conta da incerteza
um buraco negro
onde tudo se pode arrematar
uma coisa e o seu contrário
ou antes pelo contrário
ou então aquele nada
tão grande, tão grande
que cabe na estatura de uma molécula.
Quanto ao demais
ou à conta da contingência da incerteza
é um bla-bla-blá
e o que mais se queira querer.
Se fosse a correr atrás do caudal
não seria o rio maior ou o mar terminal
nas mãos em meu legado.
Os estreitos becos
onde se atiçam palavras fiéis
contra os empossados patriarcas
são os mesmos
onde caem sem batalha
os que se agarram a medalhas colossais
os indigentes disfarçados de eruditos
pândegos todavia não autenticados.
As cordas ensanguentadas
tomam o entardecer por adeus.
O olhar desmaiado
ecoa no horizonte embaciado
como uma espada contraída
com medo do crepúsculo.
A noite
atravessada pela voz diluída
não foge dela mesma:
ainda hão-de saber
os vencidos pela insónia
que há sempre verbos
no dicionário sem paradeiro.
Afundo a porta
antes que a porta seja o fundo.
Estilhaços polvilhados sobre tapetes persas
carimbam a impressão digital da civilização
que ainda está à espera
de aspas a preceito.
O corrimão gasto
gosta de mãos;
como uma verdade insofismável
odeia filósofos.
No fundo
como os engenheiros detestam demolições
a não ser que sejam os pais
da obra consequente.
Andamos todos ao mesmo
pressentiu
como quem tem um oráculo sobre o passado
o videirinho que da aldeia
aterrou na cidade-véspera de outras metrópoles
e, encantado em saber que há ajuntamentos
com mais de três pessoas,
escalpelizou os malefícios da mortandade.
Pois é,
andamos todos ao mesmo.
Só que uns
vão a velocidade deferente.
No sujo do dia desacontecido
combina-se ultraje com angústia
esgrimidos os mudos contraplacados
que se esmagam na antítese da lua.
Não serão viáveis os luares intencionados;
desde que o mundo foi embrulhado numa farsa
já ninguém se importa com a acrimónia
e as palavras vêm untadas de boçalidade
respirando a favor da desconfiança.
No sujo do dia
aconteceu o futuro que se sabe.
O mal resolvido
invade as veias
com um punhado de sangue
em combustão.
Arrependido,
em tribunal confessou
que queria ser dentro-da-lei
quando fosse pequeno.
Estou convencido
o mundo era um lugar melhor
(lenço a tiracolo
para enxaguar a lágrima furtiva)
se em vez de abaixo-assinados
dependesse
de acima-assinados.
Emproados farsantes cheios de comendas
trovam a audácia
fácil o arrazoado
seus nunca os corpos trespassados
em campos de batalha.
Haviam de ser condecorados
com a comenda que leva a palma
na desavergonhada ostentação
da carne outra tão agilmente despojada
onde pútridas guerras não se esconjuram.
Não fosse pecúlio bastante
e agora um deles
inquieto na sua caserna submarina
anda a agitar a maré
para medir se ela se compraz
com a indeclinável “vaga de fundo”
que o traga a tiracolo da voz fundacional
para o pináculo das instituições.
Arregimento
deste local onde me situo
e sem a demora do futuro
um acima-assinado:
que o tesouro arrecadado
sirva para mercar um contratorpedeiro
daqueles de última geração
só para o castrense passear a ufania
pelo convés a sulcar os mares
na sua tão irrecusável pose heroica.
Deste local onde me situo
e sem a demora do futuro
declaro
contribuir com uma centena de euros
para a colheita contratualizar o castrense
para o declínio das coisas da política.
Levo o leve entardecer
como penhor de uma véspera.
A levedura que lavra o braço
em mosto feita no cais andado
levita no logradouro num sussurro.
É esta a lentidão que serve de úbere
o coalho apanhado pelas mãos
fervendo a lenha em espera
até apetecer o xisto em lanhos
Aa dar cobertura à casa nómada.
O espelho derruído consome a luz.
Em vez do vento sublevado
a boca ateia versos imperadores,
uma casta à parte
entre o desrazoável escol.
A noite é procuradora do fingimento,
mas não me importo:
entre o deve e o haver
mergulho na casta única do meu sabor.