Não menos diamante 
do que (n)os dias pretéritos
o corpo atira-se ao porvir 
com uma febre inaugural.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Não menos diamante 
do que (n)os dias pretéritos
o corpo atira-se ao porvir 
com uma febre inaugural.
Alguém disse:
os lamentos deviam passar pela balança
para sabermos quanto tempo levam
a curar.
Outros propuseram:
não se esqueçam da fita métrica
que toma as medidas da angústia
para sabermos das horas por que
desandamos.
Pelo silêncio dos demais
dir-se-ia
que não alinham
nos modismos das convenções
e preferem
a incaracterística anomia das métricas;
recomendam esta austeridade 
como critério
para ao menos fingir
que os malefícios que entortam os dias
são encomendados a uma anestesia geral.
Às vezes
povoava a cidade
com as cores do meu sorriso. 
Enfeitava-a com os dedos desassisados
ela precisava de desarrumação
esconjurava as caricaturas andantes
jurava então um despojamento freático
virada do avesso 
até ser cais dos pássaros itinerantes. 
E a cidade mudava de rosto
todos os dias
como se as ruas mudassem de lugar
ou sem mudarem de lugar
mudassem só de nome
vomitando o cimento inerte
amordaçando 
os procuradores dos bons costumes
naufragados num rio sem paradeiro. 
Os que juravam orfandade
Sitiados pela metamorfose da cidade
condenados a serem nómadas 
sem saírem do lugar
arrepiados pela contrafação de si mesmos
limitavam-se a bolçar o silêncio arrependido. 
De dia
reinou o eclipse; 
à noite 
dominou uma versão remendada 
de um vulto qualquer,
o espantalho menor
numa litania silvestre.
Até que a noite 
fosse despojada do negrume
e todos as personagens temíveis
ao sono se deitassem.
No vagar das luas demoradas
chamo pelo teu nome. 
Espero
na empreitada de generais sem arsenal
os braços nus;
eis a herança que deixo
para memória futura. 
Escolho os baldios como pátria
prefiro às cidades onde 
puídas 
habitam as pessoas que jogam ao acaso
e se perdem num labirinto de incenso
atiradas à sua decadência. 
Pelos ombros da tarde
vigio as janelas arrumadas
que esperam pelo ocaso. 
Não pedimos lume à noite
as ramagens adormeceram sob os auspícios
do vento entretanto omisso. 
Digo o teu nome
e o teu rosto
o teu corpo dádiva
sobem ao promontório destemido
e as estrofes vulneráveis
tornam-se o idioma que nos faz falar.
É este desembaraço 
o vento que leva o rosto livre 
o silêncio emudecido pelo avesso
o apogeu sem fronteiras.
Falsete no avesso de um dia arrefecido
os escombros ainda válidos
murmuram nos ouvidos não precatados.
O vinho anestesia o sangue: 
é disso que precisa
uma providência cautelar ao dia constante
como se atrás viesse uma espada apurada
e o sangue se derramasse nas provetas do medo.
O mosto ainda quente alisa o chão sinuoso
e da pele tingida sobram as pétalas matinais
estrofes avivadas nas tatuagens sem sono.
Da hibernação voluntária
amadurece o desamanhã que importa:
um forte tumulto abraçado à carne suada.
Um sabre propedêutico 
a descer sobre a indigência atrevida 
para dela se dizer 
que está em vias de extinção.
Arranco as páginas
como os dedos se emprestam ao afago. 
Revejo nos lábios 
a usura dos corpos extáticos
a água por dentro
a salivar numa corrida desenfreada. 
Insisto 
na redenção pelo silêncio
nesta habilitação de palavras intuídas
palavras adivinhadas no estuário amanhecido
e na glosa do dia entronizado.
Trago à tua mão desamparada
o destino havido na desautorização da angústia. 
Depois
se formos ao lado do sortilégio
não somos reféns do medo
e sabemos
que a madrugada se demora 
enquanto adivinharmos o corpo cúmplice
que se deita ao lado.
Ser asceta
causa umas dores lancinantes
dantes é que o pio dos dias era viável
e todavia
por voluntária corrupção
desabitei os hábitos estroinas
desabituei-me de distribuir impropérios avulsos
e de amanhecer com a cabeça virada do avesso
como se o norte fosse sul
a manhã noite funda
e de dia houvesse lua a sondar os poemas
(amadores,
como este)
e no fundo
as mãos descessem para apalpar o céu. 
Assim passam os dias
no exílio necessário
eu
nem metade do que fui
aspiração a ser todo e outro tanto
quando a mão se deita ao elixir prometido
a menos
que as promessas sem paradeiro
sejam um logro
e eu
pacientemente
vá mesmo a caminho 
da decadência.
A gabardina enjoada 
percebe o sibilar das marmotas.
A corda estilhaça-se 
ao ser atropelada pelo navio.
Depois da noite, 
as juras de véspera são testadas.
Assim como as aves murmuram,
como se fossem
ancilares motores de combustão
no processo de aquecimento, 
balbuciando sílabas errantes.
Se ainda for a tempo
prometo mostrar o estirador
de onde as ideias fogem em pânico.
Os escrúpulos 
(no plural, para avivar)
voavam como aves de migração
irradiando lugares tão díspares.
Hoje é dia de pleonasmos. 
As citações aformoseiam as frases feitas. 
Os ogres saem à rua 
disfarçados de emblemáticas figuras
cativando a admiração dos ingénuos
que também saíram à rua. 
Hoje também é dia de estultícia;
quem pode dispensar um módico
de estultícia
para afinar a bússola por que se comanda?
Afinal
hoje é dia do que quisermos que seja
na adoração da liberdade 
– mas daquela que não tem fronteiras. 
À noite
diremos que há contas por acertar. 
Mas isso fica
para um dia sucessivo
à escolha da nossa vontade.