19.7.06

O que te apetecer

Não te apetece
gritar
com as cores todas
que encontras na algibeira?

Não te apetece
fugir
dar aos remos
sem curar da maré nem da maresia?

Não te apetece
saltar
tecer pantominas circenses
no grito mais alto da alegria?

(Ou) não te apetece
emudecer
apenas emudecer
pela escuridão alojada na alma?

Não te apetece
olhar
de olhos bem esbugalhados
para pormenor nenhum escapar?

Não te apetece
dançar
mesmo as melodias mais estranhas
e as que se entranham nos poros?

Não te apetece
dormir
um pouco que seja
só para sonhares tão belo?

Não te apetece
mentir
cavar bem fundo na concha
que te protege dos açoites do mundo?

Não te apetece
zombar
de tudo e de todos
sem seres excepção à regra?

Não te apetece
procriar
no convencimento que a prole
é a exaltação do sublime que és?

Não te apetece
escrever
as palavras conhecidas e outras inventadas
para nelas te reinventares num ser adorável?

Não te apetece
endeusamento
gratificação pelos feitos
empertigamento de um ego reprimido?

Não te apetece (antes)
anonimato
as pétalas fechadas
de um perfume que te é exclusivo?

Não te apetece
viajar
demandar as quatro partidas do mundo
rejeitar o sedentarismo letal?

E não te apetece
o que não te apetece
tudo e mais alguma coisa
ao sabor dos dedos espontâneos que te batem na face?

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