19.4.07

Que diremos
quando destinos cruzados
são a candeia da existência?

Os dias nascem ao mesmo tempo
como se os olhos despertassem em uníssono;
as folhas trazidas com o vento
esbarram, compassadas, nos nossos corpos;
as bissectrizes que se intersectam
mais além da labiríntica espuma da vida,
onde todas as gotas da chuva são dádivas
o gentil bálsamo que fertiliza a terra
onde nos deitamos.
Tudo em nós é um vasto oceano
ora de águas agitadas
(no regurgitar cardíaco que se acelera)
ora nas águas mansas
(que apascentam a fluência dos dias).
Tudo em nós
é sintonia.

Habitamos um lugar sem precipícios:
os pés escorreitos deslizam em alcatifas suaves
e os olhos anestesiados pelos cortinados aveludados
detêm-se uns nos outros.
Eu digo que os teus olhos
são a minha respiração,
como dizes que a minha voz
é melodia perfumada que te embriaga.
E o tempo amadurece os campos que semeamos
os campos
onde de mãos dadas irrompemos
retendo o perfume das flores campestres
que – dir-se-ia –
estão sempre floridas
até no pináculo da invernia.

Há em ti a âncora que me amaina,
o sólido paredão que domestica as águas furiosas
que embatem no meu peito.
Dizer que és porto de abrigo
é lugar-comum
um lugar-comum na abundância de significado
(tanto que vem vertido no verso sentido).
Não sei se reitero o lugar-comum
se disser a alternativa:
um feixe de luz arrebatado
no monopólio dos nossos sentidos.
Ou
o mar onde os corpos repousam
e nidificam na correntes invisíveis que nos agrilhoam.

Há aí a única prisão que concebo
as ímpares masmorras salvíficas:
em vez de serem o algoz da liberdade,
a ela me devolvem.
À suprema liberdade de espírito
a liberdade do amor que parece amansado
mas vive num estremecimento constante.

É quando sinto
que se a morte viesse partia preenchido.

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