17.3.15

Grito de protesto

Esbracejam os pesares pelas vozes impuras,
as santidades que bolçam arbitrariedades.
Contra elas não podem os silêncios.
A elas
mandam-se mastins esfaimados
uma jugular incendiada
teias de aranha que arrematam o veneno todo
incinerando olhares malsãos.
Apodera-se uma ira fecunda
(quando a ira nem é geneticamente fecunda).
Os nenúfares mirrados vegetam na água pútrida
cegando o ar com a pestilência dos exilados.
Doravante
os nãos são ditos quando tiverem préstimo
o rosto embacia-se numa severidade medonha
os dedos das mãos são pazadas de força
o mel azeda
os ossos salgam-se de sais raros
o coalho dos dias serve-se como iguaria
e as cartas adulteram-se.
O jogo passa a ser o que dantes era rejeitado.
À medida dos outros medra desconfiança
sentinela dos ardis reinventados.
Faz-se de hiena, se preciso for
saltando florestas com velocidade vertiginosa.
Faz-se de leão, se preciso for
e devoram-se os sobressaltos que vierem de frente.
Há um copo de leite estragado à espera.
Peixe datado servido em forma de vistoso sushi.
Palavras corteses que são alfaiates da inverosimilhança.
Comboios vetustos, armários dos tempos que foram.
Uma constelação que não resplandece
e não há eclipse que a embote.
Deixa-se vir ao de cima
um grito de protesto que decanta a ira.
A ira, que é banquete escusado
mas imperativo quando as armas terçadas
são aleivosia farta.
O descaminho continua a ser altar alheio
dos que se montam em bonecos faz de conta
em montados estéreis
onde o que se aprende é o nada.
Por cima dos algozes da impureza
congraçam-se e falas não pueris.
Num braço de ferro, se preciso for
só para ver quem mais alto grita.
Em estrofes de protesto
que desatam o desassombro aferrolhado.

Depois
sobra a retoma do tempo dos olhos vivazes
as almas merecedoras
o vinho desembargado
a ira aplacada
os castelos desenhados pelos dedos
os palcos onde se ensaia a vontade soberana
as palavras encantatórias
– e já não as de protesto.

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