27.4.15

A garrafa náufraga

Nas areias perfumadas a maresia
deposto um testemunho lacrado
pelo mar abundante.
Trazia vidro fumado
corroído por sabe-se lá quantas ondas
e quantas marés vigorosas.
As aves marinhas dele se afastaram
as de praia grasnavam
como se em pânico estivessem.
Uns pescadores benziam-se
e furtavam os olhos do areal.
Os pais de umas crianças
advertidas que ali podia jazer ardil de um demónio
e as crianças logo compulsivamente afastadas.
Por quatro dias e quatro luares
a garrafa náufraga esteve ao relento.
A areia deposta pela maré alta
já cobria uma parte da garrafa órfã.
Em passeio vespertino
um forasteiro tropeçou na garrafa.
Notou no pergaminho interior.
Como não havia pescadores nas imediações
usou da força das grossas mãos
e desabotoou a garrafa enigma.
O pergaminho transfigurou-se em mítica figura.
Não lhe perguntou por desejos.
Perguntou-lhe pela curiosidade interior.
E se não sabia
que a curiosidade às vezes é mórbida.
O forasteiro
como não percebia a língua
do génio vindo da garrafa,
e em estando ébrio,
pegou no atilho do sapato da figura mítica
e amarrotou o pergaminho.
Fez dele lixo do vário em cima do areal.

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