4.12.25

Desastrado

Apanhas as ostras com os dentes

tu que sabes falar uma dúzia de idiomas

e calças sempre sapatos puídos

sem nunca teres feito votos monásticos. 

Olhas pelos cantos dos olhos

para poupar a vista

e em verdade se diga 

que chegaste à proveta idade que carregas

sem nunca teres visto através de lentes. 

Há quem diga

és o único a disfarçar a miopia

o que ajuda a perceber

todos os vieses que recolhes com entusiasmo. 

De amanhã em diante

juras olhar as coisas só com um olho. 

Não concorres para Camões

que não se recomendariam os versos

se algum dia deles parisses autoria. 

Essa tua simplicidade

ainda te há de granjear

um par de dissabores.

#4286

A tença sem cabimento

deixa o serviçal todo ledo;

o estrago vertebral

fica tatuado no rosto coletivo.

3.12.25

Avarias

Ou a corda toda

desatada no pináculo do cinismo

que a obediência pertence aos fortes

e eu acanho-me na singela fraqueza

que me abraça.

 

Deste berço loquaz

escondo o sangue gourmet

aquele que vampiros e companhia dispensam

e por minha bússola tomo

com as mãos humildemente trémulas

o cálice que testemunha o néctar singular;

de um homem fraco

esperam-se vícios, não virtudes,

e até dizem

que a bússola estava avariada

e ninguém me disse nada.

 

Acordo

a corda toda

no promontório da incivilização,

como se ainda não tivesse arpoado

o meu vinte e cinco de abril,

os pesadelos desenfreados

escaldaram o dia

e agora, 

irascível e refém do avesso de mim,

teço-me 

nas juras que não haverei de fazer. 

#4285

Às vezes 

dizemos nicles, 

e não somos apóstolos 

do minimalismo.

2.12.25

#4284

Um certo fio 

entre o luar e os dedos 

tece a imagem de um feitiço. 

1.12.25

À posteridade

A posteridade

a secreção sem nódoas

o grito apiedado dos algozes

a roda sequencial das estrofes

dedilhadas as sílabas na vertigem 

de um caçador,

a posteridade

ó tão gasta e ainda antes do tempo.

 

A posteridade

a vítima favorita dos deuses

na condenação das vontades

ao mero remorso que vagueia

entre os destroços avinagrados 

pelas lágrimas furtivas.

#4283

Os pé de volta 

desenham as fronteiras havidas 

e os escombros deixam de contar.