Em império de beligerância
devíamos responder
com mil poemas por dia.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Não há ruas proibidas
se as bocas desemudecem
no provérbio gasto
das tiranias atiradas ao acaso.
Não há ruas proibidas
nem os passos se aquartelam
na coreografia colonizada
por mastins arrimados na enseada.
Não há ruas proibidas
nem concessões à fala
pois da boca há palavras-limão
ácidas como substância
contra os tiranos candidatos.
Cara XXXXX:
Como deve saber, existe uma data para a consulta de provas. Essa data é obrigatoriamente afixada pelos docentes quando lançam as notas dos exames em pauta. Portanto, a consulta de provas já foi há uns meses. De acordo com os regulamentos da Universidade, depois da data da consulta de provas as mesmas são remetidas ao arquivo da universidade, deixando de estar disponíveis.
A estrutura do teste é como em fevereiro: quatro perguntas, duas das quais serão retiradas do ficheiro publicado na plataforma e-learning.
Se for necessário, estarei à disposição para o esclarecimento de dúvidas, quando se estiver a preparar para o exame de recurso.
Cumprimentos,
PVM
De um dia treslido
coube em arrevesada página
o esquecimento prevenido
no contratempo que se imagina.
Fiz das tripas o pano delido
num ermo de sílabas que se congemina
e em vez do arrependimento havido
arrematei o salvo-conduto que germina.
Às juras de ontem não dei um sentido
pois soube ser a minha própria mina
e dos poucos minutos levado o acontecido
se da alma extraí o que se comina
e já não sei do que é carpido
pois tudo se condensa na ironia fina.
As cebolas
fazem chorar
pessoas.
As cebolas
deviam ir
diretas
sem causar lágrimas
para os cozinhados.
Mas ainda
não inventaram
cebolas
à prova de lágrimas.
Então se diga
que até
os mais pomposos
manjares
contêm
uma certa dose
de lágrimas.
Reforçando a tese
dos que vestem
o pálio
contra sal excedente
a destemperar
os cozinhados
e a matar gente
de artérias sobrelotadas.
Das lágrimas
sempre se disse
serem más
para a saúde.
(Mutilando “Sigamos o cherne”, de Alexandre O’Neill)
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
atrás de muito mais que a fantasia
e aceitemos, até, do cherne um beijo,
senão já com amor, com alegria...
Em cada um de nós circula o cherne,
quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
circula o cherne: traído
peixe recalcado...
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
já morto, boiar ao lume de água,
nos olhos rasos de água,
quando, mentido o cherne a vida inteira,
não somos mais que solidão e mágoa...
Se é de boas intenções
que está cheio o inferno
por que fugimos,
a sete pés e à corda toda,
do inferno?
Os mudos capatazes
mudam as lâmpadas ladinas
em abono da perspicuidade de seus mestres.
Mudas consoantes ficam a adejar
e logo os penhores dizem
os mudas ou terás das mudanças novas.
E se em vez de uma muda
os otimistas de serviço mudassem de aresta
seríamos todos os felizes mudos
poetas dos silêncios que não mudam
no abismo da palavra tenazmente abastada.
Esta imagem
do império sentado
é uma onomatopeia
com marca registada
– uma mancha num pano
já de si escurecido.
Os imperadores
astutos diligenciadores
da expansão de territórios
são como almas generosas
só que vistas do avesso:
deles se diz
terem legado pedaços de civilização
e aos incivilizados o conhecimento
da civilização,
eles, imperadores,
por arrasto tão caritativas almas.
Que ludibriada esta argúcia
que serviu
para a engorda de orgulho
de patriotas mui bem apessoados
e ufanos de sua retórica atávica
e de progressistas muito certeiros
de suas certezas
entre as quais a mais detestável
é da aposição de culpas retroativas
com efeitos futuros.
[Crónicas do vírus, CMXCIX]
Legados da peste (290):
As linhas distantes
costuras do céu sem nome
no embaraço
da distorção dos sentidos.
[Crónicas do vírus, CMXCVIII]
Legados da peste (289):
É a peste
que bolça a teimosia,
ou as sumidades
a escabujarem assombrações
como prova de (sua) vida?
Espero que a subida arrefeça
e dos ossos seja credor
para anotar
a mudez acertada.
Não são as mãos gastas
à espera de vez;
a alvorada é apenas um pressentimento
aprisionada pela ainda insistente noite
alfandegada pelas transfigurações
procuradas no cálice da noite.
Não sou entrega no abismo sem aviso
não imagino a leveza do ar
ao perderem chão os pés;
assinto na fragilidade de mim
maior ainda
pela atalaia herdada
de tanto querer ser feito
de matéria arnaz.
Levo o arnês
no espelho da recusa
de ser mais do que aspeto
e numa coreografia sem roteiro
desenho no chão o mapa sem destino
a contumácia
que se desfaz nos gramas tirados
à serrania.
Pois queremos ser encorpados
como o granito da serra
achamos que ser encorpado
é passaporte capaz
e devedores aos mecenas das fragilidades
não ficamos.
Junto nos dedos o que colhi do rosto
fragmentos insondáveis
ou apenas o suor cristalizado
a matéria exangue de um corpo sem medo
improvável marinheiro sem ir a bordo
o sono venal esbracejando à boca de cena
e os olhares
todos involuntariamente intrusos
espiando as dores em direto
recolhendo as lágrimas hirsutas
para delas fazer o promitente vinho néctar.
O dardo fica sozinho
no parapeito do desconhecido
não vinha com assinatura de autor.
Tudo se combina com a modéstia dos meios
e a sede do invisível.
Tudo avança no sentido algures
na retaguarda da linhagem do tempo em espera.
Para desta lava sermos retrato
enquanto se espera
que vença o prazo de validade
e a lava junte os poros na pele arrefecida
em juramentos que não se mutilam
em palavras meãs
que ajudam ao silêncio.
Não é desta solidão que me acompanho.
Não é de uma prisão sem lugar
que desajeito o rosto.
Antes que seja o medo
acerto as horas
do desejo.
Eis-me aqui
total
sem disfarces
com a sede sempre diferente
da tua boca.
[Crónicas do vírus, CMXCVII]
Legados da peste (288):
Somos
privilégio exorbitante
a praça centrípeta de tudo
ou a tela da mais frágil fragilidade?
É esta
a bandeira branca
a que as mãos
herculeamente se hasteiam.
A bandeira branca
contra a desarte da beligerância
dos que se armam em gente armada
peritos no idioma da força.
Desconfio
que haja uma afeção
de quem aos olhos
não seja permitido
o branco
e numa embriaguez de morte
prossiga a vida.
[Crónicas do vírus, CMXCVI]
Legados da peste (287):
O tempo
com saudades
do seu passado;
ou o tempo
pautado por uma nova
cartografia?
Malparado
o caso ficou malparado.
Mesmo a jeito
de uma multa
por mau estacionamento.
Quando havia crise
(não quer dizer
que tenha deixado de haver)
sobre nós adejava
o fantasma
do crédito malparado.
Não consta
que tenha sido autuado
por mal estacionamento.
[Crónicas do vírus, CMXCV]
Legados da peste (286):
Muito se ouve falar
das tradições restauradas,
o que nem sempre
(ou vezes poucas)
é motivo de regozijo.
Jogo de cintura:
sem ser odalisca
apenas
uma baleia impertinente
o pálio atirado ao mar sofrível.
A estremunhada irrisão
socorre o destempero:
isto nem são ondas que se vejam
perorava
em ardilosa ufania
o rapaz
ostentando a simbiose com o mar.
E ele meneava a cintura
uma e outra vez
avinagrado cometa
na viril, garbosa, vaidade
assisada em proezas fingidas.
Os filósofos
é que não sabem da poda
– dizia um deles
enquanto
bebericava na perplexidade da espécie
no conformado ensimesmar da solidão.
Ao menos
não temos de praticar
o jogo de cintura
– aquietou-se outro dos filósofos amestrados.