2.6.22

#2416

Em império de beligerância

devíamos responder

com mil poemas por dia.

Não há ruas proibidas

Não há ruas proibidas

se as bocas desemudecem

no provérbio gasto 

das tiranias atiradas ao acaso.

 

Não há ruas proibidas

nem os passos se aquartelam

na coreografia colonizada

por mastins arrimados na enseada.

 

Não há ruas proibidas

nem concessões à fala

pois da boca há palavras-limão

ácidas como substância

contra os tiranos candidatos.

1.6.22

#2415

Desta terra ressequida

o sangue a destempo.

31.5.22

Cimento fraco = engenharia de rastilho

Cara XXXXX:

 

Como deve saber, existe uma data para a consulta de provas. Essa data é obrigatoriamente afixada pelos docentes quando lançam as notas dos exames em pautaPortanto, a consulta de provas já foi há uns meses. De acordo com os regulamentos da Universidade, depois da data da consulta de provas as mesmas são remetidas ao arquivo da universidade, deixando de estar disponíveis.

A estrutura do teste é como em fevereiro: quatro perguntas, duas das quais serão retiradas do ficheiro publicado na plataforma e-learning.

Se for necessário, estarei à disposição para o esclarecimento de dúvidas, quando se estiver a preparar para o exame de recurso.

 

Cumprimentos,

PVM

#2414

Luta livre. 

Luta, 

livre. 

Livre da luta.

#2413

Os corpos trespassados

esperam

pelos versos amanhecidos.

30.5.22

Sotavento

De um dia treslido

coube em arrevesada página

o esquecimento prevenido

no contratempo que se imagina. 

 

Fiz das tripas o pano delido

num ermo de sílabas que se congemina

e em vez do arrependimento havido

arrematei o salvo-conduto que germina. 

 

Às juras de ontem não dei um sentido

pois soube ser a minha própria mina

e dos poucos minutos levado o acontecido

 

se da alma extraí o que se comina

e já não sei do que é carpido

pois tudo se condensa na ironia fina. 

#2412

A dualidade de critérios

não deixa de ser

um critério.

29.5.22

#2411

É destro.

É maestro.

É lesto.

Verte o mosto.

28.5.22

#2410

Não há armas

sem guerras

que delas se munam.

27.5.22

#2409

E o oito

deita-se de lado

enfeita-nos

com quimeras.

26.5.22

As lágrimas nascem dentro das cebolas

As cebolas

fazem chorar

pessoas.

 

As cebolas

deviam ir

diretas

sem causar lágrimas

para os cozinhados.

 

Mas ainda 

não inventaram

cebolas

à prova de lágrimas.

 

Então se diga

que até

os mais pomposos

manjares

contêm

uma certa dose

de lágrimas.

 

Reforçando a tese

dos que vestem

o pálio

contra sal excedente

a destemperar

os cozinhados

e a matar gente

de artérias sobrelotadas.

 

Das lágrimas

sempre se disse

serem más

para a saúde.

#2408

Aferimo-nos

pelo perímetro da palavra

sem dicionário.

25.5.22

Pesca transfigurada em amor

(Mutilando “Sigamos o cherne”, de Alexandre O’Neill) 

Sigamos o cherne, minha amiga!

Desçamos ao fundo do desejo

atrás de muito mais que a fantasia

e aceitemos, até, do cherne um beijo,

senão já com amor, com alegria...

 

Em cada um de nós circula o cherne,

quase sempre mentido e olvidado.

Em água silenciosa de passado

circula o cherne: traído

peixe recalcado...

 

Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,

já morto, boiar ao lume de água,

nos olhos rasos de água,

quando, mentido o cherne a vida inteira,

não somos mais que solidão e mágoa...

#2407

Há aqueles dias:

Sísifo desperta da letargia

e toma conta do nosso nome.

24.5.22

#2406

Se é de boas intenções

que está cheio o inferno

por que fugimos, 

a sete pés e à corda toda,

do inferno?

Berbequim

Os mudos capatazes

mudam as lâmpadas ladinas

em abono da perspicuidade de seus mestres. 

Mudas consoantes ficam a adejar

e logo os penhores dizem

os mudas ou terás das mudanças novas. 

E se em vez de uma muda

os otimistas de serviço mudassem de aresta

seríamos todos os felizes mudos

poetas dos silêncios que não mudam

no abismo da palavra tenazmente abastada.

#2405

A esquadria do degredo

ou o mosto da solidão

vai quase dar ao mesmo.

23.5.22

Desimpério (ou: desampara o império)

Esta imagem

do império sentado

é uma onomatopeia

com marca registada 

– uma mancha num pano 

já de si escurecido.

Os imperadores

astutos diligenciadores

da expansão de territórios

são como almas generosas

só que vistas do avesso:

deles se diz

terem legado pedaços de civilização

e aos incivilizados o conhecimento

da civilização,

eles, imperadores,

por arrasto tão caritativas almas.

Que ludibriada esta argúcia

que serviu

para a engorda de orgulho

de patriotas mui bem apessoados

e ufanos de sua retórica atávica

e de progressistas muito certeiros

de suas certezas

entre as quais a mais detestável

é da aposição de culpas retroativas

com efeitos futuros.

#2404

Tanto pensamento forense 

e o lastro forrado 

a nada.

22.5.22

#2403

[Crónicas do vírus, M]

 

Legados da peste (291):

Algum dia

a fava 

viria ao meu bojo.

21.5.22

#2402

[Crónicas do vírus, CMXCIX]

 

Legados da peste (290):

As linhas distantes

costuras do céu sem nome

no embaraço 

da distorção dos sentidos.

20.5.22

#2401

[Crónicas do vírus, CMXCVIII]

 

Legados da peste (289):

É a peste

que bolça a teimosia,

ou as sumidades

a escabujarem assombrações

como prova de (sua) vida?

19.5.22

Escala de Richter

Espero que a subida arrefeça

e dos ossos seja credor

para anotar 

a mudez acertada.

Não são as mãos gastas

à espera de vez;

a alvorada é apenas um pressentimento

aprisionada pela ainda insistente noite

alfandegada pelas transfigurações

procuradas no cálice da noite.

Não sou entrega no abismo sem aviso

não imagino a leveza do ar

ao perderem chão os pés;

assinto na fragilidade de mim

maior ainda

pela atalaia herdada

de tanto querer ser feito 

de matéria arnaz.

Levo o arnês

no espelho da recusa 

de ser mais do que aspeto 

e numa coreografia sem roteiro

desenho no chão o mapa sem destino

a contumácia

que se desfaz nos gramas tirados 

à serrania.

Pois queremos ser encorpados 

como o granito da serra

achamos que ser encorpado 

é passaporte capaz

e devedores aos mecenas das fragilidades 

não ficamos.

Junto nos dedos o que colhi do rosto

fragmentos insondáveis

ou apenas o suor cristalizado

a matéria exangue de um corpo sem medo

improvável marinheiro sem ir a bordo

o sono venal esbracejando à boca de cena

e os olhares

todos involuntariamente intrusos

espiando as dores em direto

recolhendo as lágrimas hirsutas

para delas fazer o promitente vinho néctar.

O dardo fica sozinho

no parapeito do desconhecido

não vinha com assinatura de autor.

Tudo se combina com a modéstia dos meios

e a sede do invisível.

Tudo avança no sentido algures

na retaguarda da linhagem do tempo em espera.

Para desta lava sermos retrato

enquanto se espera

que vença o prazo de validade

e a lava junte os poros na pele arrefecida

em juramentos que não se mutilam

em palavras meãs 

que ajudam ao silêncio.

Não é desta solidão que me acompanho.

Não é de uma prisão sem lugar

que desajeito o rosto.

Antes que seja o medo

acerto as horas 

do desejo.

Eis-me aqui

total

sem disfarces

com a sede sempre diferente

da tua boca.

#2400

[Crónicas do vírus, CMXCVII]

 

Legados da peste (288):

Somos

privilégio exorbitante

a praça centrípeta de tudo

ou a tela da mais frágil fragilidade?

18.5.22

Bandeira branca

É esta

a bandeira branca

a que as mãos

herculeamente se hasteiam.

A bandeira branca

contra a desarte da beligerância 

dos que se armam em gente armada

peritos no idioma da força.

Desconfio

que haja uma afeção 

de quem aos olhos

não seja permitido

o branco

e numa embriaguez de morte

prossiga a vida.

#2399

[Crónicas do vírus, CMXCVI]

 

Legados da peste (287):

O tempo

com saudades

do seu passado;

ou o tempo

pautado por uma nova

cartografia?

17.5.22

Marxismo de pacotilha em forma poética

Malparado

o caso ficou malparado.

Mesmo a jeito

de uma multa

por mau estacionamento.

 

Quando havia crise

 

(não quer dizer

que tenha deixado de haver)

 

sobre nós adejava 

o fantasma

do crédito malparado.

 

Não consta

que tenha sido autuado

por mal estacionamento.

#2398

[Crónicas do vírus, CMXCV]

 

Legados da peste (286):

Muito se ouve falar

das tradições restauradas,

o que nem sempre

(ou vezes poucas)

é motivo de regozijo.

16.5.22

O reino é dos filósofos

Jogo de cintura:

sem ser odalisca

apenas 

uma baleia impertinente

o pálio atirado ao mar sofrível.

A estremunhada irrisão

socorre o destempero:

isto nem são ondas que se vejam

perorava

em ardilosa ufania 

o rapaz 

ostentando a simbiose com o mar.

E ele meneava a cintura

uma e outra vez

avinagrado cometa

na viril, garbosa, vaidade

assisada em proezas fingidas.

Os filósofos

é que não sabem da poda 

– dizia um deles

enquanto 

bebericava na perplexidade da espécie

no conformado ensimesmar da solidão.

Ao menos

não temos de praticar

o jogo de cintura

– aquietou-se outro dos filósofos amestrados.