Forte se faz o degelo
desminando o silo contagiado
pela penúria das almas.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O desfalque imediato
pelo cordel desatado das bocas corroídas.
No papel
amontoam-se as vírgulas a destempo
e os rapazes desinstruídos
mostram a avareza da ignorância,
o seu lugar alegremente puído
pela indiferença ao que lhes é exterior
às artes e cultura e até à História.
Não se pense que é vício por defeito:
figurões bem postos
garbosos da sua linhagem
e dos adquiridos direitos quase aristocráticos
mendigam a indigência disfarçada
– como se fosse uma forma de ignorância soft.
Encantados
admiramos a sua existência.
Ser testemunha desabonatória destes figurões
é prazer que não se transaciona.
Considerando
o considerado
devia ser deixado
à consideração
considerar
o atrás considerado
para ir considerando
a consideração
do por todos considerado
e ao tutor
das máximas considerações
ser extirpada a reserva mental
que o impede de considerar
o considerando intuitivo.
[O ministro Santos entrou em roda livre e, contra os melhores prognósticos, foi perdoado pelo chefe]
A Escócia
ou o Reino
desunido.
[Notícia: A Escócia quer referendar a saída do Reino Unido em outubro de 2023]
A penumbra
revela a silhueta
do dia diletante.
É como se o mosto escondido
se despisse da vergonha
e aparecesse antes da noite
para ser dia até ao fim.
E as pessoas
deixavam as sílabas mestiças
livres e sem métrica
e elas sabiam ser o ouro da fala.
O céu em forma de bronze
protege os que não se cansam
(alguém atestava).
Dão os mãos
em estrofes vertidas
no vento que povoa a rebeldia.
Se fosse pela manhã apregoada
os calendários não fugiam de cena.
À hora do entardecer
cumpre-se a jura que de si própria jura
o mantimento que se não nega
aos mecenas providos em solene palco.
As costas estão feitas para serem avesso.
Paredões contra a indigência
uma surdez que disfarça
(benignamente)
as fragrâncias indesejadas que chegam à maré.
Fronteiras sem passaporte
olhares que se levitam nas quimeras
um povoado sem nome
porque não precisa de nome
a desordem benigna.
As costas são mudez como diplomacia.
Um lado sem mapa
geografia que desmata os trovadores
com nome e sem nome
que os nomes não sobem
à estimativa em exercício
e de exércitos de figurantes
está o mundo cheio.
Destronado o feitiço
as mentes lúcidas
deixam cair o véu sobre o medo.
Misteriosas entidades
que a seu cargo levavam os bruxedos
foram intencionalmente protestadas
e em seu potestativo desdireito
jogaram-se as togas sem curadoria.
O povo
tão abraçado ao paganismo
e às demais sacralidades
molhou-se no avesso do pietismo
enfim apalavrado
da sua
(até então refreada)
liberdade.
A palavra passou de povoado em povoado.
Já não havia profetas
nem miasmas a colonizarem vontades
a pretextos vários
sempre disfarces sobrepostos às muralhas
onde se arrevesam as vontades
sem que a lucidez fosse contrafação.
Espero
é a antinomia
de desespero
e nem assim
espero
sobe na bolsa das palavras.
Código em vez de gramática
dialeto em circuito fechado
os verbos cifrados no avesso lisérgico,
se em vez de dicionário
consumimos
privativo idioma.
Os gestos valem como texto
e na pauta calibrada
desmatam-se os mitos abraçados.
Não falamos
todavia
o falar que aceita linhas a destempo
que de uma linguagem somos atores
no palco que habitamos
sem interrupções.
De que lado se situa
o movimento que se enlaça
no veludo que cobre a pele
de acobreada manhã?
Nas copas das árvores
amontoam-se as vírgulas perdidas
as vírgulas deixadas em orfandade
depois de ultrajadas.
Não se ciciam frases habilitadas
na penumbra que esconde o futuro.
Se for para remediar a boca cansada
antes a gramática dos silêncios
pela calada da redenção
por mercê do sono matriz.
O sorriso
pode ser o idioma jurado
a metáfora desarrumada no portfolio,
claridade que irrompe
entre os mares atravessados de medos.
Descubro as cortinas do avesso
e dos pespontos do olhar
elevo o céu um degrau acima.
As miragens não sucumbem à respiração
nem a maresia se acastela nos braços ávidos.
Se a praia disser um segredo
que fique por conta dos sortilégios
das obras inacabadas que dão nome
à má engenharia.
A deserção dos lugares não os diminui.
Nem os lugares desertados são má companhia.
Se os esteios não rangessem de medo
a areia seria a cofragem dos bravos.
Os compêndios ensinam
que não se fazem lugares
sem um punhado de bravos
os que arroteiam o terreno baldio
dele fazendo urbe bucólica.
No tira-teimas de uma ponte sobranceira
os senadores apessoados não deixam acasos soltos:
é deles a orquestra
e eles,
em circunstanciada generosidade,
aceitam povoar a toponímia com seus nomes,
mas só para memória futura.
As cortinas do avesso
deitadas sobre as placas
que reinventam a toponímia,
esperam que deixem de preencher
ao paradeiro dos vivos.
Se a voz for meteorito
que leve no dorso
o ouro sem bandido.
Dizem
que somamos o conjunto dos verbos avessados
por mercê do estado iracundo
escondido nos contrafortes sem exibição.
Dizes
que sou asceta propositado
artesão despojado de artes
limitado à fala sem estribo.
É esta gramática ingénua
em páginas sem burel
que se levanta contra os compêndios
contra
os anacoretas devolvidos a torres de marfim,
manifesto válido em pétalas de granito
contra
os chás tomados em tenra idade
– o melhor critério para enviesar petizes.
Dizes
sem seres juíza em causa com guia de marcha
que não sabes como ser como sou
e um esteta de reconhecida linhagem
não o diria melhor.
Dizem
que o sangue furibundo que habita as veias
seria o pano de fundo para a tela
à espera
dos dedos providenciais dos voluntários.
Uma obra coletiva
apascentada nas ofertas diligentes
de muito briosos patrícios.
Em vez de medo
voluteia um velho disco
no som arranhado do seu muito uso.
Ninguém é feito
se não desta estreita margem.
De apeadeiro em apeadeiro
sem conservar os nomes na memória
azula-se o dia com o pressentimento do luar.
Os desencontros são a mestria dos contratempos
um desalinhamento estrutural
que nos coloca a destempo
reféns de lugares diferentes
notários de diferentes figuras de estilo.
Pois é estilístico,
e garbosamente recomendável,
alardear uma erudição que se não tem.
Assim como assim
a quase ninguém será dado saber da falácia
e em defesa do aparente erudito
há sempre a hipótese
de o confundir com um gongorismo.