13.7.22

A solidão

A solidão 

é um osso indigente

um gládio metido à força 

no olhar sem caução

o altivo convencimento 

dos estetas de si mesmo;

dizem:

uma farsa por dentro 

da doutrina do homem gregário

flor sedutora, mas afinal avidamente carnívora

o osso que não fratura

quando a fratura seria condição

da solidão enfim derrotada. 

Pois nem o maior dos misantropos 

concede

que a solidão seja solução.

#2459

Do lugar em hibernação

o exílio voluntário.

12.7.22

Rastilho

Não sei

quando é a posteridade

a não ser que ajuíza

a amputação de todos os pretéritos

deixados vagos

na decadência própria do que se resume

a um rastilho. 

Não se coíba

a maresia desarmadilhada

as feiras onde se amesquinham os eruditos

as obras ainda por fazer

os movimentos que não são perpétuos

a finitude dos corpos.

#2458

Se ao menos 

se pudesse atear

o acentuado arrefecimento diurno.

 

[Em dia de mais de 40º em quase todos os lugares]

Dissenso

A voz da madrugada

objeta o sonho derruído.

 

Não há matéria válida

jogada no avesso da vontade

e as cicatrizes da mudez

não passam de pele tatuada.

 

Não se diga da penumbra

o que se diz de vultos desassisados:

em cima do desenho pueril

sobressai o pesadelo itinerante,

a voz tumultuosa que agrava o medo

um porventura deslaçado murmúrio,

tardio.

 

A voz da madrugada

ainda silenciosa

pressente a tortura consecutiva.

 

Daí o silêncio estrutural.

11.7.22

#2457

Os muros

circunspetos

mobilizam-se 

contra a diligência.

10.7.22

Miscreants

You were the burglar

I was the warrior.

You were the criminal

I was the hero.

You hollowed out freedom

I was to arrange all wills.

You shall not harbour History

I will fence peace.

#2456

Tie-break,

para desteimar.

9.7.22

#2455

O rosto limão

deita-se ao mar

e coloniza a maresia.

8.7.22

Espionagem

Tabuleiro arcano

lábios de sangue

Mata-Hari imortal

em disfarces insuspeitos

atalaia 

por dentro das costuras alheias.

 

A diplomacia não fala esse idioma.

 

Para que existe

a diplomacia

se aos furúnculos espiões

se admite

na penumbra de uma caverna

o proibido

na cordata contratação

dos gentios?

#2454

Não capitules;

o lobo não é mau

e a alvorada não se tingiu

de medo.

7.7.22

#2453

Um mistério 

pode não ser um segredo

mas um segredo 

é um mistério.

6.7.22

O coldre vazio

A guerra da sabedoria

limpa do mapa a artilharia soez

e dos homens guerreiros

sobra a lisura da tinta-da-china.

 

Andasse o néctar de boca em boca

em genesíaca partilha dos pares

fosse a bondade mais do que vão conceito

e de bandeira em bandeira

os aviltantes arremedos de insídia

ficavam por conta dos apátridas:

 

os legítimos herdeiros

dos autênticos crimes 

contra a humanidade.

#2452

Um sexto sentido

nivelado

pela sétima maravilha.

5.7.22

#2451

As facas adormecidas

à mercê da bondade

esquecida.

4.7.22

Predicado

Esta é a porta clara

a excitação que se transforma 

em verbo.

Sem afazeres por perto

tudo se processa em vagar

o diletante manual 

que devolve a humana natureza

à primitiva forma.

#2450

No apuro das perdas

desconto

o sortilégio do amanhecer.

3.7.22

#2449

Forte se faz o degelo

desminando o silo contagiado 

pela penúria das almas. 

2.7.22

#2448

Os tijolos

não servem apenas 

para levantar paredes.

1.7.22

#2447

Se o arresto da alma

perdurasse

as cores seriam todas

desmaiadas.

Sobre o elevado estatuto social da indigência escondida sobre o véu do estatuto

O desfalque imediato

pelo cordel desatado das bocas corroídas.

No papel

amontoam-se as vírgulas a destempo

e os rapazes desinstruídos 

mostram a avareza da ignorância,

o seu lugar alegremente puído

pela indiferença ao que lhes é exterior

às artes e cultura e até à História.

Não se pense que é vício por defeito:

figurões bem postos

garbosos da sua linhagem

e dos adquiridos direitos quase aristocráticos

mendigam a indigência disfarçada 

– como se fosse uma forma de ignorância soft.

Encantados

admiramos a sua existência.

Ser testemunha desabonatória destes figurões

é prazer que não se transaciona.

30.6.22

Considerações

Considerando

o considerado

devia ser deixado

à consideração

considerar

o atrás considerado

para ir considerando

a consideração

do por todos considerado

e ao tutor

das máximas considerações

ser extirpada a reserva mental

que o impede de considerar

o considerando intuitivo.

 

[O ministro Santos entrou em roda livre e, contra os melhores prognósticos, foi perdoado pelo chefe]

#2446

A Escócia

ou o Reino 

desunido.

 

[Notícia: A Escócia quer referendar a saída do Reino Unido em outubro de 2023]

29.6.22

#2445

O porto visível,

marco geodésico 

que afunda 

o nevoeiro da manhã.

28.6.22

#2444

O meu pensamento

é uma cordilheira,

uma geografia a descobrir.

Teoria do embelezamento parcial

A penumbra

revela a silhueta

do dia diletante.

É como se o mosto escondido

se despisse da vergonha

e aparecesse antes da noite

para ser dia até ao fim.

E as pessoas

deixavam as sílabas mestiças

livres e sem métrica

e elas sabiam ser o ouro da fala.

O céu em forma de bronze

protege os que não se cansam

(alguém atestava).

Dão os mãos

em estrofes vertidas 

no vento que povoa a rebeldia.

Se fosse pela manhã apregoada

os calendários não fugiam de cena.

À hora do entardecer

cumpre-se a jura que de si própria jura

o mantimento que se não nega

aos mecenas providos em solene palco.

27.6.22

#2443

Um sorriso seráfico

colhido na véspera do Outono

sem que do verbo se faça idioma.

26.6.22

#2442

Deste nome

manhã

que demos de herança

depois do vulcão aquietado.

25.6.22

Tridente

As costas estão feitas para serem avesso.

Paredões contra a indigência

uma surdez que disfarça

(benignamente)

as fragrâncias indesejadas que chegam à maré.

Fronteiras sem passaporte

olhares que se levitam nas quimeras

um povoado sem nome

porque não precisa de nome

a desordem benigna.

As costas são mudez como diplomacia.

Um lado sem mapa

geografia que desmata os trovadores

com nome e sem nome

que os nomes não sobem 

à estimativa em exercício

e de exércitos de figurantes 

está o mundo cheio.

#2441

As flores do avesso

habitam

na maresia rebelde.