13.11.22

Injustiças indocumentadas (40)

O dedo mindinho

como metáfora da adivinhação

é a revolta dos pequenos

a revolução

sem inventário nos compêndios.

Metafísica às metades

Chegou a mim 

a descoberta

que deus não existe

porque tem joanetes.

#2584

Uma ponte sem alfândega

uma pertença sem limites.

12.11.22

#2583

São estas palavras

o nome do sangue

em sacrifício do passado.

11.11.22

Certificado

Dizias

que o peito se enche de alma

quando a noite se disfarça

de um verbo que não esconde

o desejo. 

Dizias

com o olhar desembaraçado

que as palavras emprestam o sal

que se tornou rarefeito

neste lugar composto por gente meã

neste lugar

onde todos calçam as galochas do videirinho

e afocinham no juízo sumário

à custa de ordenanças gozadas por preconceito. 

Dizias

como se fosse preciso fazê-lo

que lugares destes são poços inválidos

cidades órfãs de mapa

idiomas que põem as pessoas a desentenderem-se. 

Dizias

que estás cansado deste desentendimento

que toma partido dos vãos

e que extinguem os voos largos

que asas decepadas não deixam embainhar.

#2582

Não é do futuro

que se alimenta 

o medo;

é do passado.

Cabalística (2)

11+11=22.

10.11.22

#2581

Cada um devia ter o direito

à revisão constitucional

e isso devia fazer parte

da revisão constitucional.

9.11.22

Triunvirato

Registo a patente

antes 

que a preguiça me tente

e em brancos dentes

se afogueie um tenente.

 

Vejo com desdém as pontes

e arrumo

antes que tu os contes

os anéis que cuido com aprumo

no balcão que guarda os dotes.

 

Das mãos verto este sumo

alteroso

e remedeio sem medo do fumo

o miado medroso

a que não me acostumo.

#2580

O acento

toma assento

na tónica

que não é água.

Os espanhóis

Os espanhóis

precisam de quem lhes faça 

desenhos 

no pecúlio da gramática;

de outro modo 

não teriam

pontos de exclamação

e pontos de interrogação

a prefaciar as frases. 

8.11.22

O elefante não saiu do jardim zoológico

Afinal

o elefante esteve 

este tempo todo

no jardim zoológico. 

Injustas foram as injunções

sobre o seu parco estatuto diplomático

em metáfora que mexia

com porcelanas de fino calibre

e salões onde solenes salamaleques

decorriam a preceito 

– os senhores 

pressurosamente 

desfazendo-se em cortesias hipócritas

e as senhoras

contrafeitas

reprimindo fantasias nas ameias da mente. 

Ao elefante

vítima de injustificada injustiça

devia ser reconhecido o direito de reparação

que hoje quadra tanto com os modismos

que às vítimas de outrora

assiste a reposição da justiça a seu favor

para que possam descansar 

no sossego da consciência dos outros. 

O mundo inteiro

(concessão ao rigor: 

o mundo quase inteiro

que não se impetra o consenso forçado

tão próprio de um centralismo democrático

de má memória)

devia saldar uma interrogação:

como foi possível

passar tanto tempo agrilhoado

à metáfora do elefante na loja de porcelanas

se o elefante

tão paquidérmica criatura

nem sequer cabia na loja?

Ninguém 

dera conta

que o elefante

não tinha saído do jardim zoológico.

Injustiças indocumentadas (39)

É 

manifesto exagero de patente

falar-se

de um general Inverno.

#2579

Desfilam

em passerelles sem Outono

os modelos à procura de ímpar. 

7.11.22

#2578

Quero do luar

a mesma fortuna

que traz o mar.

6.11.22

#2577

Sem o juízo a juízo

nada sobra de um siso.

5.11.22

#2576

Os fazedores de tendências

os engenheiros de mercados:

biltres, 

papalvos,

ou exibicionistas?

4.11.22

#2575

Coleção

de absurdos gramaticais

a rimar 

com a imperícia dos regentes.

3.11.22

Menos que noite

É o superlativo embate

na onda que se agiganta

desde o magma lancinante:

nada se oferece em vão

e os mármores sublimam

uma opulência que é disfarce.

Nas mangas da incerteza

gravitam as constelações sem freio

e os pés que sentem a falta de chão

não se desordenam

não encaixam no caos aparente.

Deixem-nos à sua sorte

que eles 

sabem procurá-la.

#2574

Não somos corsários

e não damos resposta

a convocatórias de zaragata.

2.11.22

O jogo sem fim

Sexto sentido:

as covas da estrada

desamortecem os contratempos

em que se prevê o tempo por andar. 

 

Vão as janelas, os contemporâneos:

assustam as nuvens malvadas

que fazem coro com a tempestade,

sabem que forte é a sua têmpera

quando porfiam contra o mar levantado. 

O corte válido

é aquele que resgata os sentidos

que nunca chegam a ser velhos. 

Se o fuso horário não enganar

e o rio arrematar a nostalgia dos forasteiros

das barcas trôpegas desembarca

uma gesta de virtuosos,

aqueles que trazem no bolso

resposta afivelada para qualquer pergunta. 

 

O miradouro tira as teimas:

no lugarejo conhecido como mentira

desaprovam-se todas as palavras. 

Mal se desencanta um lugar assim

que toma as dúvidas por mentiras

e isenta de culpa as mentiras que o são,

legítimas.

#2573

Se os sonhos 

enfraquecem

as páginas restantes

tornam-se bastardas.

1.11.22

Sinalética

Do sol

até ao sul

do sono sanado

em vez do sal segado.

 

O sabre

sobre o santuário

sinaliza o sábio

servido de sentinela.

 

O sal servido

singra o sono sagaz

que no Sul

se sagra no solstício.

#2572

O mundo

está cheio

de varizes.

31.10.22

Fuso

O dia

que se adia

no adeus

sem deus. 

O deus 

que adia

o dia 

sem adeus.

A possibilidade da possibilidade

Ninguém desiste da luz diurna

enquanto pelo crepúsculo não for vencido. 

Jogam-se as peças todas

no tabuleiro onde se atravessam

as possibilidades infinitas. 

O conhecimento não chega à fala

com muitas delas.

O periscópio lança-se sobre a âncora distante

o despojamento titula a ousadia. 

Os braços desembaraçados

nivelam-se pela estatura do Olimpo. 

Num momento

as peças espalhadas pelo chão

disfarçam o inanimado:

querem que todos saibam

que são uma possibilidade

que se joga na aritmética das possibilidades

uma equação emancipada da órbita do criador

os números em vertiginosa roda-viva,

um deles à espera de lugar

na lotaria incandescente que afogueia o dia. 

No clandestino amplexo das possibilidades

uma sai do avesso da coorte

e contraria a maré a preceito. 

Antes que, 

do antebraço das possibilidades,

muitas sejam extintas

e o mapa delas se reduza a um ermo.

#2571

Desfalece 

na dança improvisada

no comodato da noite.

30.10.22

Injustiças indocumentadas (38)

Atrás da orelha

não é o lugar

para a pulga

estar.

#2570

Rasgo

de cima a baixo

a cicatriz imponderável

e fico à espera

do dilúvio.

29.10.22

#2569

Por que se chama

excelência

a quem fica a léguas de ser 

distintivo?