16.11.22

Má fama

Não se diga

da má fama

que é uma fama 

a desproveito;

pois de uma fama

não se dirá

ser de má rés

ou fama não será.

#2587

Desse à chave um destino

soubesse do paradeiro 

da porta.

15.11.22

Azulejo

A ave espacial

esbarrou

à nascença

com a nave especial. 

 

Os fundos conjunturais

afinal têm fundo

pois o fundo que as fundeia

tem um forro de anteparo. 

 

Os senescentes não têm medo do futuro

o futuro é que se inquieta

ao saber que o será

sem a companhia dos senescentes. 

 

As estrelas fugiram do dia

confirmando

que o jogo que interessa

se joga à noite.

#2586

Devia haver 

na toponímia da cidade alvar

a avenida do presente imperfeito.

14.11.22

As flores e os nomes

Os nomes

escritos sobre as fotografias

como se as palavras evocassem

flores

flores contíguas ao sangue contínuo

e os nomes

apenas uma distância vaga

entre os despojos do dia

e a maresia do amanhã.

#2585

O sal sulca o suor

o sol síndico

dos sonhos.

13.11.22

Injustiças indocumentadas (40)

O dedo mindinho

como metáfora da adivinhação

é a revolta dos pequenos

a revolução

sem inventário nos compêndios.

Metafísica às metades

Chegou a mim 

a descoberta

que deus não existe

porque tem joanetes.

#2584

Uma ponte sem alfândega

uma pertença sem limites.

12.11.22

#2583

São estas palavras

o nome do sangue

em sacrifício do passado.

11.11.22

Certificado

Dizias

que o peito se enche de alma

quando a noite se disfarça

de um verbo que não esconde

o desejo. 

Dizias

com o olhar desembaraçado

que as palavras emprestam o sal

que se tornou rarefeito

neste lugar composto por gente meã

neste lugar

onde todos calçam as galochas do videirinho

e afocinham no juízo sumário

à custa de ordenanças gozadas por preconceito. 

Dizias

como se fosse preciso fazê-lo

que lugares destes são poços inválidos

cidades órfãs de mapa

idiomas que põem as pessoas a desentenderem-se. 

Dizias

que estás cansado deste desentendimento

que toma partido dos vãos

e que extinguem os voos largos

que asas decepadas não deixam embainhar.

#2582

Não é do futuro

que se alimenta 

o medo;

é do passado.

Cabalística (2)

11+11=22.

10.11.22

#2581

Cada um devia ter o direito

à revisão constitucional

e isso devia fazer parte

da revisão constitucional.

9.11.22

Triunvirato

Registo a patente

antes 

que a preguiça me tente

e em brancos dentes

se afogueie um tenente.

 

Vejo com desdém as pontes

e arrumo

antes que tu os contes

os anéis que cuido com aprumo

no balcão que guarda os dotes.

 

Das mãos verto este sumo

alteroso

e remedeio sem medo do fumo

o miado medroso

a que não me acostumo.

#2580

O acento

toma assento

na tónica

que não é água.

Os espanhóis

Os espanhóis

precisam de quem lhes faça 

desenhos 

no pecúlio da gramática;

de outro modo 

não teriam

pontos de exclamação

e pontos de interrogação

a prefaciar as frases. 

8.11.22

O elefante não saiu do jardim zoológico

Afinal

o elefante esteve 

este tempo todo

no jardim zoológico. 

Injustas foram as injunções

sobre o seu parco estatuto diplomático

em metáfora que mexia

com porcelanas de fino calibre

e salões onde solenes salamaleques

decorriam a preceito 

– os senhores 

pressurosamente 

desfazendo-se em cortesias hipócritas

e as senhoras

contrafeitas

reprimindo fantasias nas ameias da mente. 

Ao elefante

vítima de injustificada injustiça

devia ser reconhecido o direito de reparação

que hoje quadra tanto com os modismos

que às vítimas de outrora

assiste a reposição da justiça a seu favor

para que possam descansar 

no sossego da consciência dos outros. 

O mundo inteiro

(concessão ao rigor: 

o mundo quase inteiro

que não se impetra o consenso forçado

tão próprio de um centralismo democrático

de má memória)

devia saldar uma interrogação:

como foi possível

passar tanto tempo agrilhoado

à metáfora do elefante na loja de porcelanas

se o elefante

tão paquidérmica criatura

nem sequer cabia na loja?

Ninguém 

dera conta

que o elefante

não tinha saído do jardim zoológico.

Injustiças indocumentadas (39)

É 

manifesto exagero de patente

falar-se

de um general Inverno.

#2579

Desfilam

em passerelles sem Outono

os modelos à procura de ímpar. 

7.11.22

#2578

Quero do luar

a mesma fortuna

que traz o mar.

6.11.22

#2577

Sem o juízo a juízo

nada sobra de um siso.

5.11.22

#2576

Os fazedores de tendências

os engenheiros de mercados:

biltres, 

papalvos,

ou exibicionistas?

4.11.22

#2575

Coleção

de absurdos gramaticais

a rimar 

com a imperícia dos regentes.

3.11.22

Menos que noite

É o superlativo embate

na onda que se agiganta

desde o magma lancinante:

nada se oferece em vão

e os mármores sublimam

uma opulência que é disfarce.

Nas mangas da incerteza

gravitam as constelações sem freio

e os pés que sentem a falta de chão

não se desordenam

não encaixam no caos aparente.

Deixem-nos à sua sorte

que eles 

sabem procurá-la.

#2574

Não somos corsários

e não damos resposta

a convocatórias de zaragata.

2.11.22

O jogo sem fim

Sexto sentido:

as covas da estrada

desamortecem os contratempos

em que se prevê o tempo por andar. 

 

Vão as janelas, os contemporâneos:

assustam as nuvens malvadas

que fazem coro com a tempestade,

sabem que forte é a sua têmpera

quando porfiam contra o mar levantado. 

O corte válido

é aquele que resgata os sentidos

que nunca chegam a ser velhos. 

Se o fuso horário não enganar

e o rio arrematar a nostalgia dos forasteiros

das barcas trôpegas desembarca

uma gesta de virtuosos,

aqueles que trazem no bolso

resposta afivelada para qualquer pergunta. 

 

O miradouro tira as teimas:

no lugarejo conhecido como mentira

desaprovam-se todas as palavras. 

Mal se desencanta um lugar assim

que toma as dúvidas por mentiras

e isenta de culpa as mentiras que o são,

legítimas.

#2573

Se os sonhos 

enfraquecem

as páginas restantes

tornam-se bastardas.

1.11.22

Sinalética

Do sol

até ao sul

do sono sanado

em vez do sal segado.

 

O sabre

sobre o santuário

sinaliza o sábio

servido de sentinela.

 

O sal servido

singra o sono sagaz

que no Sul

se sagra no solstício.

#2572

O mundo

está cheio

de varizes.