Acusado de crueldade
respondeu
que foi apenas pessoa.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Os anjos não têm costas.
E essa
é a definição de incapacidade ao quadrado.
O vulcão líquido atravessa os ossos
fica com um quinhão
que amedronta os sismos qualificados
e em equações sem propósito joga-se o belo
jogam
os anfitriões que mostram as sílabas do pecado.
São os despojos que confecionam as paredes
sem que da estultícia dos sacerdotes
recolham as baias dos costumes.
Se não for pelas espadas argutas
que seja através dos colóquios
onde se antecipam os títeres doravante.
Todos mostram as mãos
como se houvesse um mandado do tribunal
e as curvas retorcidas fossem prova dos párias.
Não interessa.
Todos combinaram
em silêncio
que as mãos ficam prostradas
assim como quem finge não saber o idioma
ou não ter faculdades mentais.
Às vezes
o húmus referencial subleva-se
e nem o odor pestilento
cobra as dívidas futuras
nem as sereias amestradas
coabitam com as fontes agelastas.
A flor bela
devora
a flor bala.
Antes fosse
a flor bola
lamenta a flora bala
quase a cair na boca
da flor bela.
Tudo
sob os auspícios
da flor bula.
Atravessam as cores
atravessam os vulcões
com os nomes ensandecidos
com os olhos assestados no futuro.
De um nome não se diga
indiferença.
De um nome
sejam rasurados os poros
em manhãs ausentes,
a diligência dos arrependidos.
De um nome
fugido à escravatura
urdindo os verbos crepusculares
enquanto se amacia o verbo do porvir.
Dos nomes se digam
bem alto
as clepsidras luminosas
o verbo oponente num horizonte sem freios
os nomes
inteiros ou pela fração que calhar
em sucessivas marés sem algemas
os nomes que chamam por nomes
antes que sobre eles caia
o silêncio.
Ascendo ao supor venal:
transijo com os rumores,
a flácida matéria
dos que deixaram de ser
vitais,
convoco os leilões das almas
as almas em pessoa
ou por procuração
(também serve).
Amarro os braços
a uma camisa-de-forças
a jaula de onde não apetece fugir
mesmo que exposto como animal
e de mim se diga
que foi merecido.
Nunca tive medo da humilhação.
Nunca soube ser das dores da insídia.
Ouve-se o vento martírio
o ciciar das flores que crescem
um vírgula dois centímetros por hectare
o ritmo compassado da pele hirsuta
e sabemos
sem termos sido ensinados
que é como se um tsunami
estivesse a bater à porta
e nós,
impassíveis,
à espera
só à espera.
Aprende
que eu não duro
para sempre;
aprende
que de mais duro crânio
não há paradeiro;
e aprende
que a vaidade
extingue-se
como a vida.
No estuário da voz
as sílabas cortam o vento
e acertam a nomenclatura
desafiando a orfandade.
Não será nesta voz
que se aninha o protesto:
o silêncio não tem gramática
e ainda que sejam viáveis
os apóstatas da cacofonia
até as palavras sem fundo
se sobrepõem ao silêncio:
o silêncio
é o pressentimento da morte.
Se de bronze são
pífias são as leis.
[Continuação de “Injustiças indocumentadas (114)”]
Se há leis de bronze
por que não as há
de prata ou de ouro?
[Continuação de “Injustiças indocumentadas (114)”]
Escolha uma das seguintes
para a personalidade do momento
burlesco
grotesco
picaresco
sem justificar a escolha.
Um peregrino
(parecia um peregrino,
ou talvez fosse um mendigo)
avança devagar
apoiado na estrada.
Arruma com os pés as flores
deixadas em bandeja no chão
como se o chão tivesse suplicado
um tapete aromático.
O peregrino
ajeita os andrajos
(seria um mendigo?)
e murmura
com ar de poucos amigos
o que ninguém consegue retirar
ao silêncio.
O peregrino
participa a solidão:
há quanto tempo
não fala com pessoas?
e esta interrogação
arbitrária como a suposição
só é válida para quem a formula.
Ninguém pode dizer ao certo
o que vai por dentro do peregrino
(e também não por dentro do mendigo).
A fivela à cintura descaiu
e o peregrino acerta-a:
não quer ficar
com as calças na mão,
o mendigo
(ou será o peregrino?).