Os créditos em mãos alheias
pois então,
a generosidade não é crime.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Deito-me na lava que deixei à minha frente
os corsários que avulsos intimidam o sono
trovejam as pedras atiradas sobre as abóbadas
e de mim não sei se não a constelação inaugural
uma boca extintor servida nos melhores banquetes
braços e pernas presidentes
pendidas como tentáculos
generosamente
o melhor do pior
antítese.
Confiro a métrica dos medos deixada em rodapé
convoco a audácia dos demónios
entre marés providenciais e páginas esquecidas
desdobrando as fotografias sonolentas
o lume da manhã arrefecendo a carne acordada
o sufoco das tempestades sem bainha
desde o miradouro hasteado
até ao aqueduto dos cruzados.
Dou-me inteiro à tua posse
e tu
a sereia que arranca os versos
à minha boca prodigiosa
contemplas a rebeldia dos insubmissos
como sabes de cor cada centímetro de pele
e eu
sem pressa do passado
arremato dos leilões sem paradeiro
a argamassa onde tudo se ampara
onde tudo se compõe
na efémera câmara transparente
no friso puído que soletra de cor
o magma inquieto
que não tarda
é musicado em lava incandescente.
Para dizermos então
que os dicionários correm no sangue
e toda a literatura se escondeu
nos poros da pele que irradia o luar cessante
em furnas vertiginosas fugindo do crepúsculo
caiadas nos braços centrípetos da árvore-favor.
Deixo a lava onde me sentei futuramente
o sumo da lima vertido na pele cicatrizada
e sei que da lava que lavou a alma
agora acrisolada
agora
nesse preparo que é um tempo dedicado
morada em que à tua, maior, alma
se ofereceu.
Pirómano dos sentidos
denunciou o equinócio das almas
alegremente vãs
em procissões
também elas vãs
no fingimento do seu fingimento absoluto.
Oxalá fosse cimento
sussurravam as almas contra o pecado
enquanto ao céu descia
em apoplexia cortante
um Ícaro mendaz
a súmula do alarido montado
em campo térreo
e abonado de unções presunçosas.
Do estado de negação
ninguém teceu observações alusivas.
É da espécie
a especialidade de varrer o lixo
para debaixo do tapete
e fingir,
assobiando lérias,
que podiam não ser como os avestruzes.
O fogo desce ao céu
esfria a pele urdida nas fontes invernais
conspira
a distração contracenada
com os espíritos benignos que ascendem,
vultos de si mesmos,
no improvável hastear de poemas incendiados.
Combinam-se os rios modestos
com a intercessão da chuva antecipada
ao inverno:
as águas sobem ao céu
encomendadas ao ímpar murmúrio noturno:
não se esperem selas adestradas
nem vozes domesticadas;
espere-se um vulcão desamordaçado
infrene na insubmissão
colheita abastada do investimento pressentido
nas silhuetas vagas que se desenham
nas nuvens à margem.
O fogo retorna à nascente,
erupção virada do avesso.
Do perdão
não há xisto que o emoldure.
Era pelas ideias tresmalhadas.
Não esperassem elegância
vinho sumptuoso
mineração da angústia
votos pírricos
ou ideias lajeadas a purpurina
nem um módico de petróleo
só para amostra.
Era pelos ventos arcanos
aqueles que murmuram o halo vindouro
e muito embora acreditasse em anjos
(anjinhos, para melhor se expressar)
não seria vítima dos algozes avulsos:
ele era só
o homem que apanhava furacões.
O corsário desmatado cobra os juros por junto
e o rosto remoça no orvalho ditoso
que aveluda a pele massacrada.
Os dedos agarram-se ao vento mendaz
não se importam que seja mendaz
desenham a geometria das curvas
como se de retas fosse a estrada.
Os impossíveis confundem-se com farsas
o fardamento circunstancial do dia vetusto
como se fossem andrajos condecorados
e as assíduas personagens puídas
em pose agonicamente importante
insultando o momento
com pose de superioridade
(ah! os procuradores da república).
Levanta-se a ira fermentada na lente baça
o areal enfastiado pelas marés rotineiras
o tempo, que parece imóvel,
uma sucessão de pesadelos hauridos
os roteiros excretados por figuras boçais
que lavram a sala pútrida com falas malsãs
e nós, intencionalmente indiferentes,
medramos por dentro do luar poético
uma biblioteca quimérica que cabe na alma
enquanto esperamos
que o sangue
destile os morgados que se insinuam
no espelho do futuro.
O diretor abusava do schnaps
num lugar onde ninguém sabia
o que era o schnaps.
Mas gostavam
que ele desse dois dedos de schnaps
pois ficava afável
deixava de deitar olhares de intrusão
nas senhoras
deferia a eito
e contava histórias anedóticas
sobre um seu alter ego
que não assumia ser ele
porque talvez tivesse vergonha
dele próprio
fora das imediações do schnaps.
O diretor
tinha trejeitos de germanofilia
mas nunca tinha ido à Germânia
mas dizia ser perito
nas variedades conhecidas de schnaps.
O diretor
assoava-se convulsivamente
depois de beber schnaps.
Bebia schnaps
primeiro às escondidas
depois escancaradamente
precisava de um aditivo
para ser respeitado pelos que tutelava.
O schnaps ganhou fama
e, sem que se possa dizer em público,
muitos e secretos admiradores.
A mascote mastigada
amofina o mastro amanteigado
mantém-se miragem
dantes mosto medieval
um amanhecido mural
que amesquinha o marasmo.
A mascote mirífica
mendaz como musas amestradas
monta nas margens imóveis
mercando o mar almiscarado
na métrica malsã dos maestros
os que molham as mãos nos mastins
e medram na macilenta maçã
miando contra as murças
que amaldiçoam os magos.