Alvíssaras são oferecidas
por umas estribeiras
sem paradeiro.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O nefelibata apeado
antes de trair a fronteira
juntou as mãos às travessuras dinásticas
como se não esperasse absolvição
e aos lençóis freáticos
roubasse as lágrimas que não tinha.
Não se importava de ser pária
não se incomodassem com os andrajos
a colossal farsa que encenava
acenando às lívidas mães pela ausência dos filhos.
Ele sabia dos gatos avulsos
sabia
que eram sentinelas à espera da noite
e que ninguém os acusava
de serem reféns do medo
Eles é que sabiam
montados no rosnar altivo
príncipes autoritários que esventram as presas.
Na véspera da manhã
diletante
assobia ao silêncio
no apartado longínquo da solidão
fugindo da sua cólera
antes do testamento dos anciãos ser lei
antes que seja cedo para ser tarde.
Se ser
é viver dentro de uma fotografia
reclamem-se créditos para o flash
sem obedecer a conspirações
nem recuar aos suores frios
talvez
beijar os dedos do precipício
pode ser que do outro lado
verticalmente caídos
encontrem a madeira para a moldura.
E só então
fotografias de pleno direito serão
com direito a moldura
e tudo.
Fugi aos olhos do mundo
por detestar
que os olhos do mundo
estivessem de atalaia
e eu
da mais profunda solidão
dispensasse essa companhia.
Esperei pela visibilidade da manhã
para depor a meu favor
e não quis saber que apeado seria
se fosse esse meu gesto.
Li os editais admiráveis
os que entronizam os reis de nada;
subi
sem tibieza
ao tribunal inferior
sem medo dos medos entoados
só com um garfo metido entre as ideias
desarrumando o futuro imperfeito
numa opereta eloquente.
Os arbustos diziam o caminho
sobre as pedras sucumbidas
contra os rostos silhuetas tomados ao acaso
esse, o imaterial bocejo
intemporal
a senha apalavrada dos segredos quitados.
Não digam
contra as probabilidades
que amanhã é Inverno
não conspirem
contra os obstetras que parturiam o mundo:
não lhes digam
que deram existência a um nado-morto
e que todos
os que por aqui diligenciamos tempo
fingimos o embaraço de tanto ardil.
Sem esta força arremessada contra os algozes
não somos nada
não temos nada
e enfim desaparafusados do siso
assisamos outras comendas
assinantes de uma tença desconhecida
o congeminado sol por batizar.
O sol
a que ninguém
verte o sal das feridas que esconde
o sol mátrio que afirma a gramática
e habita o fundo métrico
das orquídeas em devir.
Um dia
a fauna tornou-se rebelião
e só os vegetarianos tiveram salvos-condutos.
A ovação repartida
disse
que fauna e vegetarianos eram uma coligação
e os últimos só eram solidários
com a fauna.
Ninguém podia falar de genocídio.
Ninguém subiu alto no mastro do protesto
porque já só havia
os aliados da fauna
e esses falavam em uníssono.
Mas depois acordei
e intuí tratar-se de um pesadelo.
Afinal
fora uma noite
(e não um dia).
Desaparece a custódia dos vultos
a leveza de uma nuvem
dissolveu-a.
O cimento fraco foi cercado
uma viuvez intensa fareja a farsa
prepara-se para anunciar
que é fraco
o cimento.
E as pessoas
tão temerárias
tremem como se estivesse frio
bebem o suor do avesso
como se fosse um antídoto
não sabem de quê.
Se este pudesse ser um retiro
seríamos procuradores de uma moldura;
mas é uma miragem
à espera de ser fruto maduro
ou à espera
de depressa se tornar bolorento
em forma de colheita tardia.
Não há nada de útil
num tira-teimas.
Antes um tira-nódoas
que devolve uma alvura
apenas farsante.
À noite que se adia.
À pele quente que se entrega nos braços.
Ao olhar inquieto.
Às estrofes que se congeminam no silêncio.
Ao mar que se agita no avesso da memória.
À lava que se ajuramenta no beijo da memória futura.
Aos corpos entretecidos na coreografia sem nome.
À manhã, que levita entre os olhares sem medo.
A História
é um impressionismo fatal
o resgate para memória futura
do dever geral de desumanização.
Há personagens
que parecem paridas
de dentro de matrioskas.
Uma eructa
desmultiplica-se em dois
desdobra-se em quarto
em oito, em dezasseis;
até estarmos
cercados.
Um pesadelo é fruta viva
ao pé da matrioska parideira.
O atraso civilizacional
é que ninguém descobriu a cura
das matrioskas que não param de parir.
Abaixo as matrioskas
ocas.
Sejamos simpáticos:
não é por ser um escarro
que se destina aos escombros
quem dessas palavras proclama.
A desinfestação
tem de ser por igual
sem discriminações.
Sejamos compreensivos:
a impossibilidade da tolerância
seria uma mácula a abater-se
e precisamos de saber o que é um escarro
(para dele nos apartarmos).
O ferro forjado
curva a carne do tempo
atesta o braço imorredoiro
do mar sólido que não tem maré.
Papagaios famintos repetem estrofes
sereias sem dote aproveitam-se da maré
um meteorologista angustiado jura o medo
a maresia subleva-se contra a manhã timorata.
Distantes cangurus bolçam intoxicações
bombeiros insones passeiam a farda encardida
generais covardes fogem das más companhias
gatos que deixam de ser vadios miam por companhia.
Candidatos à indiferença erram na estação
autodidatas dispensam livros para a ciência
tutores de costumes adiam arsenais corrompidos
cultores amoedados rapam arrogância de bolsos.
Ativistas amestrados perdem-se no labirinto
narizes narram aranhas e espirram alergias
almirantes esposados pela ira posam urros
as boas maneiras ficaram à porta dos estultos.
A infâmia
não nos persegue
não se faz nome nosso
não nos culpa
por uma gramática mendaz.
Tiramos uma carta ao acaso
os dados são atirados para a cratera
movemos a torre para a frente do bispo
sabemos onde está o sortilégio
só não sabemos como o podemos domar.
É a meã condição
o confisco do ser?
É a dependência do vício
em sucessivas voltas olímpicas,
o campanário da decadência?
Arrastamos a página ensombrada
e não resistimos ao seu caudal.
Oxalá houvesse dentro de nós
uma represa
e não fossem vícios
ou infâmias
a colonizar os dias eleitos.