13.12.23

Injustiças indocumentadas (257)

Fazer face

é uma atividade

que consome muitas calorias.

#2994

O desejo 

afirma o beijo

a vontade

num lampejo.

12.12.23

Nostalgia disfarçada

Mando no precipício:

não são os avestruzes vetustos,

os cicerones dos campos minados,

deduzem

que serão maltrapilhas as cabeças

assim encestadas na toca 

onde desamanhece o lobo censitário. 

Se por precipício se entender 

a mando de uma metáfora

acendem-se as sirenes

cimentando o sonoro protesto

tirado à prova dos nove entretanto. 

Se forem contumazes

os boémios adestrados

seja dada corda à cantilena arcaica

montadas as memórias altivas

o autêntico sublinhado da melancolia. 

Não é por erro

a carta da melancolia que sobe à mesa:

podiam os desalentados do presente

abrilhantar a nostalgia

tudo o que conseguiram

foi três pétalas de melancolia

no sopé do precipício 

que tinha ares de miradouro.

 

O dia diuturno

As mãos 

tocam a carne suada, 

levam à boca 

a alvorada 

que torna o dia opulento. 

Na coreografia sem roteiro, 

os corpos ensaiam o auge. 

Agarram-se 

aos dedos máximos 

que devolvem 

a claridade anestesiada. 

Se as paredes soubessem, 

eram poetas.

#2993

As palavras queridas

as palavras dinamite

as palavras elefante

as palavras devolvidas.

Injustiças indocumentadas (256)

Dois dedos de conversa

e os demais para o silêncio.

11.12.23

Antibiótico

Se o fundo for o magma

e as fruteiras colhem a madurez

os rostos cerrados proveem o adiamento

e do luar apeado não houver regime

as jornadas serão curadorias das bocas sedentas

o calendário previsível

ou apenas o vinho rasteiro ante dois dedos

de conversa.

#2992

A tecnologia das hipóteses

em vez 

de imperativos categóricos.

Injustiças indocumentadas (255)

A iluminação

dos combustíveis fósseis 

– parece mesmo que disse 

a repórter na televisão.

10.12.23

#2991

A mudez

servida pelo dia

por cima 

das vozes merencórias,

um achado.

Injustiças indocumentadas (254)

Para uns: 

só à lei 

do maior esforço.

9.12.23

#2990

A locomotiva da maldição

amuralha a angústia;

o dia plúmbeo 

reservou lugar à mesa.

8.12.23

#2989

Ateada a fogueira

só se extingue

com a carne.

7.12.23

Passadeira

Sem o cimento

as varandas são precipícios

sem ninguém que se sirva do arnês

o medo anónimo subindo pelo gelo

os casacos remediados que não chegam. 

 

Sem as mãos atrevidas

as cordilheiras são miragens

chamam os sentinelas a jogo

sobre o sabre que cauteriza as veias. 

 

Desfeito o caudal desprevenido

atropela os sóbrios mascotes dos costumes

perdido entre a incógnita do medo

e a indigência dos procuradores da angústia. 

Injustiças indocumentadas (253)

E depois há aqueles

que perfilham o lema

do trabalhar para esquecer.

Injustiças indocumentadas (252)

Dava notícias 

– e não era um ato

de generosidade.

#2988

Conta o relógio

(boicotando os boicotes)

as marés havidas

em espera pelas vincendas.

Injustiças indocumentadas (251)

Salvo

a pior

opinião.

6.12.23

Cemitérios ao longe

Não posso dar os sentimentos

não quero deles ficar privado.

Não sei se é pretexto

para pesarem tanto as elegias

ou apenas o medo da morte

o algoz injusto

feitor de vidas sempre breves

tradutor do efémero malquisto.

 

Os cangalheiros autoimpostos

que se entreguem 

ao embalsamento a destempo

para que não sobrem nódoas

sobre a pele difamada 

dos ainda vivos.

 

Reflexão crítica:

ao que é dado a testemunhar 

das desandanças das vidas

por este andar 

ainda convencem

que a morte é o menor dos custos.

#2987

Corres 

por dentro de um fóssil

contido num silo 

à prova de fora.

5.12.23

Injustiças indocumentadas (250)

Não tem graça

cair

em desgraça.

Não é desgraça

não cair

em graça.

Viva a dinastia, viva!

Enchem-se ruas e bancadas

compram-se confettis 

assobiam os foguetes

traduzem-se elogios:

 

vem aí a dinastia

 

sirenes estridentes

a precederem-na

espadaúdos espécimes

para a ordem garantirem

plumitivos histriónicos

de microfone em riste

o povo arrebanhado

em edital vocal

fatos cinzentos

discretamente exuberantes

(chiu: são dos serviços secretos

não contes o segredo)

e finalmente

a dinastia regular

do mexicanizado regime

um regime sem dieta

gordo e gordo e gordo

para prebendas distribuir

por um séquito

que alimenta

outro séquito

e mais sequitozinhos

até não sobrar vivalma

à mesa do orçamento

no banquete onde a dinastia

arrota um divino direito.

#2986

O algodão é doce

e isso não é uma doce ilusão

que aprisiona a infância.

Injustiças indocumentadas (249)

Alto gabarito.

Alto,

gabarito.

4.12.23

Embaixadores

Não somos as sombras onde se escondem os escombros. Somos a lucidez, a manhã clara sem medo da chuva, a lava de onde procedem as quimeras. Somos a estatura inteira que mede o aniversário do futuro. Não somos destroços numa mordaça a vontade. Somos a maré alta de onde temos atalaia no sangue indomável. A desinquietação com dedos mágicos por cima, uma feitoria sem embaixadores de medo, nós, o peito pleno em vez de bandeiras, o hino desconhecido dos outros, nós.

O verbo truncado

É desta extorsão de mim

que arrebato 

o crepúsculo haurido. 

 

As mãos suadas extraem da terra

os sorrisos propedêuticos

as limalhas atiradas ao acaso

contra os olhos ilhéus 

dos operários. 

O que dizer

destes dias circenses

em que muitos se disfarçam deles próprios

fingindo 

que se orquestram na finitude sem regaço?

 

Ah!

o estipêndio joga-se em tabuleiros luxuosos

e são mãos sem rosto 

que esfregam dedos extasiados

e esperam

com a ilusão dos desenganados

que seja sua a sorte vez

eles que nem sabem 

do princípio geral da corrupção. 

 

Os bichos remoem-se

indiferentes

numa gesta improvável

no cesto onde se guardam as frutas

no berço onde gastas se aprendem palavras

contra o fundo poço onde se escondem silêncios. 

 

A combustão sobe a palco

altiva

pergunta quem quer um tumulto de graça

não sem desaprender a graça avinagrada

o sempre distante braço de ferro

que se indispõe 

contra abastados fornecedores de esperanças. 

 

Prossigo a pauta dos dias

eu que continuo a não saber ler música

e persigo vultos que seguem de rastos

como se lambessem a lama 

e depois a bolçassem sobre os distraídos. 

Prossigo

que as demandas se consultam na escuridão

intérpretes da alergia à simpatia gasta

antes preferindo cozinhar as sumptuosas farsas

sozinho no epicentro da periferia

roendo as unhas vestidas de cal

dizendo em apenas murmúrios

um dó-ré-mi apalavrado 

no sofá dos aristocratas. 

 

E se em sonhos me dissolvi

foi porque me esqueci de dormir

escondido na vela hirsuta de um velho veleiro

em mares de nomes que não sei

empunhando o sabre apodrecido

como convém

a um apátrida de guerras

magnificamente condoído na estatura meã

de tudo à volta.

#2985

O nauta

não se esconde do mar.

Ninguém 

se esconde da casa.

3.12.23

#2984

Cuido do endereço

sem que pareça

um adereço.

Se me enfureço

deixo o palco ao olhar

que endureço.

Injustiças indocumentadas (248)

Voltar

com a palavra 

à frente.

Narrativa

O poeta

não tem o dever

de explicar o poema.