11.6.24

Reminiscência

Amanheço no luar estático

apuro o jeito distraído

como se estivéssemos

estremunhados. 

Ajeito o sono antecipado

para o deixar em ebulição contínua:

nunca se sabe

se a lua adormece

e com ela serei refém de Morfeu

 

(de acordo com os sábios

temos um incorrigível défice de sono).

 

As horas mal dormidas

pressentem

as horas mal amparadas:

ele há hemisférios gémeos

não separados à nascença. 

Se for para devanear

prossigo lateral ao rio

um caudal cheio com disparates averbados. 

Uma correria

acompanhar este caudaloso rio

que não se esconde nas fendas subterrâneas

nem conspira com os estetas da moral. 

Se houvesse ao menos

uma leve desconfiança

uma metódica desconfiança

as conspirações deixavam de ser 

o verbo centrípeto

o lúgubre casario entulhado de esqueletos

a farsa sem nome completo

as facas puídas com todo o sangue extinto

a tropa circense que faz peito

um anátema contínuo em forma de fingimento. 

Não seríamos a matéria vã;

não seríamos

matéria,

ponto.

Injustiças indocumentadas (371)

Se noves fora nada:

que serventia tem

a prova dos nove?

#3179

Fui incendiário:

sobre o gelo acasmurrado

verti o calor do meu hálito.

Injustiças indocumentadas (370)

As revoluções

foram anestesiadas.

10.6.24

Longitudinal

Ainda não

afogo os instintos

hesito

o dia errado em flor

e eu

refém do quê

involuntário do saber

meço as peças do arrependimento

só para me arrepender

do arrependimento. 

 

Cultivo o olhar desembaraçado

as póvoas desabitadas

em mapas graníticos 

que rompem as serranias

cavando os caudais

os juros colhidos dias depois

na lhaneza de uma torneira franqueada.

 

Invisto no imprevisto 

abraço o arnês lasso

fautor de conspirações

dissipado no atestado

mentor do impudor:

o invariável coturno soturno

por falta de arrumação

por falta

de desconfiança.

#3178

A cortina desejada

o biombo necessário;

o olhar defendido 

dos males avulsos.

Desmaterialização

Porque

no dia após

todas aquelas pessoas

deixam de existir.

9.6.24

#3177

Cento e dez metros 

barreiras 

não é coisa de se 

fiar.

8.6.24

Isometria

Ele há gente,

muita gente

e gente muito gente.

E eu

astrónomo amador

capataz das minhas próprias

fragilidades

não auguro grande diferença.

#3176

De sentido itinerante 

a palavra entranhada 

de metáforas.

7.6.24

#3175

Ama o mundo,

o movimento centrífugo

do teu passar.

6.6.24

#3174

Estes 

os nomes oxidados 

embaciam as páginas do dia.

5.6.24

Injustiças indocumentadas (369)

Ninguém fala

de fazer 

figuras alegres.

#3173

Um arnês 

à volta do sangue 

para travar garraiadas 

um arnês que aperta a jugular.

4.6.24

Injustiças indocumentadas (368)

Enterra

o ente que erra

em terra

e faz “enter”

antes que se desenterre.

Injustiças indocumentadas (367)

Têm a certeza 

que as pérolas gostam 

de porcos?

#3172

Milagre condicional 

o adiamento sem mecenas 

que calça a pele ainda válida.

3.6.24

Espartano

É o mel contínuo

a boca sem contraste

a medalha de mau comportamento;

 

a mediania,

sim, a mediania,

oh lacustre imponderabilidade

que nos entranha o ADN de nenúfares:

 

essa 

tanta 

fragilidade;

 

o frugal desejo desmatado

pólvora humedecida pelo orvalho fundeado

e lá longe

o coaxar das rãs e o sibilo dos pássaros:

 

a gramática da noite ausente.

 

De

tanta

a fragilidade

junta:

 

as mãos ermas

polvilhando as florestas robustas

desmentindo os arquitetos serviçais

no provérbio sem formatura

que testa 

as paredes de vidro.

#3171

Viva, 

a roda roda

na viva voragem

da vida.

2.6.24

Biblioteca

De cada vez que atiras a mão

as lágrimas amotinadas retesam-se

como se as estradas perdessem as curvas

e de um pesar militante 

se fizesse silêncio.

 

De cada vez que recolhes a mão

o labirinto aperta a jugular

dissolve a voz prometida

e as danças amestradas sobem aos dedos

só para calarem o silêncio.

Injustiças indocumentadas (366)

Campanha para eleições

dia(s) das mentiras.

#3170

Ateias as teias 

herdadas das ateias

no tear gasto da candura.

1.6.24

Injustiças indocumentadas (365)

Podes começar

pelo post scriptum.

#3169

A apneia do olhar,

dizem,

a lucidez que fala, 

exuberante.

31.5.24

#3168

A luz inaugural 

descose a penumbra 

a cidade acorda de atalaia 

ao rio mecenas.

Tribunal dos espartanos

Impuro

o avassalador tremor

contagia o medo.

 

As bocas frágeis 

pedem o colostro 

das mães altivas.

 

Não se ensaia a noite

nas danças povoadas a limão

e na idade sem luxo.

 

Os animais

habitam os lugares meãos

inabitáveis, porém.

 

Os deuses não falam;

 

combinam farsas sem olhar

e deixam aos mortais

as portas guardadas 

no aval dos segredos.

Injustiças indocumentadas (364)

A caravana ladra 

e os cães passam.

#3167

Os mares todos 

não chegam 

para tanto fingir; 

os rostos e as almas 

aprenderam a descafeinar.

30.5.24

#3166

O bacharel 

pede mel

à medida do 

venerável.

Injustiças indocumentadas (363)

Passagem,

de nível.