26.12.24

Companhia, limitada

Um agasalho

a favor da combustão

esconjura a raiz dos medos

a fina fazenda

que faz a faina dos justos.

 

O olhar desimpedido

a maresia por diante

a beijar 

a pele seca pelo estio dos sentidos

combina um encontro

com o luar sucessivo.

 

Os olhos que não se gastam

aprendem com os lugares vivos

a mortalha que se abate

límpida

sobre os tentáculos do conhecimento.

#3362

Dessa fala telúrica 

abóbada de dicionários metódicos 

penhoras as palavras sortílegas.

25.12.24

#3361

Dei o freio ao vento 

uma escotilha sobre a cidade 

vestido de atalaia.

24.12.24

#3360

Arrasto os rostos macilentos.

O sol que ateie um fogacho de cor

à medida que estilhaçamos 

as dores espúrias. 

23.12.24

Anti-heróis

Já não há heróis

o sangue está caro

e a esperança de vida

upa, upa

custeou a inflação da vida.

Injustiças indocumentadas (478)

Agenda para o novo ano

 

(AC: gente que tutela o mantra do progressismo):

 

extinguir o pai Natal

substituí-lo pela mãe Natal.

Injustiças indocumentadas (477)

O desmancha-prazeres 

ou é frígido 

ou está a soldo da igreja.

#3359

O relógio 

precisa de corda 

mas nem assim 

o tempo adia.

22.12.24

#3358

O mel 

contra o cisma 

a boca amordaçada

ou a liberdade.

21.12.24

#3357

Contra toda esta poluição social 

um rimmel pegajoso 

a prender as pestanas 

ao olhar impedido.

20.12.24

Manifesto contra a humildade (e a vaidade)

Um pequeno rebento

medra no coalho da humidade noturna

ensina

fragilidade converte-se em viço

ou como

a água rompe entre a rocha

e as nuvens podem mais 

do que o sol omnipotente.

 

Um pequeno passo inteiro

um de cada vez

ainda que seja preciso

à vez

dois passos recuar

é o património das conquistas 

em nossos braços depostas.

O segredo

é ter audácia para exonerar os embaraços

tal como

não escondemos o rosto

das proezas sindicadas.

Injustiças indocumentadas (476)

Os porcos 

não querem 

pérolas

(deixem-nos

em paz).

#3356

No palco do adeus 

tiramos fotografias

que dispensam molduras.

19.12.24

Golpe de enfado

No uníssono vagar

em tempo que se disfarça de modo

não somos testas-de-ferro 

dos sonoros, extravagantes profetas;

 

guardamos em verso

os segredos em altura

mergulhados

e de cabeça

no exílio interior que se desprende

da matéria inválida

contra as sílabas puídas

a língua de trapos

o horrendo atentar contra o idioma

bolçado

sem cessar

pelos sonoros, extravagantes feitores,

 

os que poluem

com suas figuras coetâneas

as suas figuras carroceiras

o público espaço de que não temos fuga.

#3355

Guardo o mosto num segredo 

e, cicerone da fermentação,

terço páginas frenéticas

contra o silêncio corrosivo.

18.12.24

Injustiças indocumentadas (475)

O bolo 

de tão aformoseado 

dispensa a cereja.

Injustiças indocumentadas (474)

A morta mão 

já não vai bater 

a porta alguma.

#3354

O cardo às mãos 

a estopeta que estala na boca 

por um reinado avivado na fantasia.

17.12.24

Manual contra o tédio

Quantas foram as vírgulas 

ao comprido

o sangue enxuto na maresia

diuturna

os espelhos sem colheita no penhor

contratado

as luzes assenhoreadas no sonho

desenfreado

as notas em cima de papel avulso

os diamantes estilhaçados nas mãos

cinzeladas

um corte a eito como se não houvesse

montanhas

um responso do mendigo ao cura

sem consentimento

o invisível lugar no lugar do medo

o fogo extinto a meio do Inverno

o navio relutante à espera da enseada

as comendas a fazerem de conta

que são títulos nobiliárquicos

a matéria sofrível nas bocas ciclópicas

os cachimbos como peças de museu

o chapéu de coco também

uma ovação coeva para os precisados

a descoberta das descobertas 

enquanto ficamos à espera do passado

o apuro das almas quebradas

o terramoto interior que pede ciência

a fala frágil que foge da fecundidade

o estribo acertado com as convulsões datadas

o antes embora do que jura depois

a parede transparente que se agiganta

na sombra do luar

os beijos sentidos que intercedem pelo dia 

claro

um cavalo que porfia no meio da tempestade

o ângulo morto contra a aresta viva

um novelo de verdades a pedirem licença

às mentiras

o contrabando das almas

à sua revelia

a espada desacertada a ensinar

os beligerantes encartados

o veludo aninhado no meio das mãos

a pedra de toque e o toque de Midas

o contrarrelógio combinado contra

as divindades

o corpo esbelto a posar 

na tela centrípeta

as juras sem consequência

a jactância dos senhores disto tudo

o controlo antidoping

o poeta sem aditivos

o dia sem espinhas

o modo inteiro

o adiamento 

a cura dita

sem milagres

sem armadura

sem fantasmas a peso

sem a mínima veleidade dos mastins

sem cambalear nas arcadas sombrias

da noite. 

Quantas foram as interrogações

que ficaram órfãs?

Injustiças indocumentadas (473)

Não sejam 

de descartar 

os que preferem 

amar o distante.

#3353

O bodo pobre é dote 

um auto de miséria acabada.

16.12.24

Cartão de cidadão

Os nomes

hasteiam princípios

uma gramática por vezes esquecida

no contemporâneo desfile de egos cingidos. 

Os nomes

já não contam 

ou são tomados por pouco contarem

escondem vidas atrás de um biombo

a sagração da indiferença recíproca. 

Os nomes

são como idiomas não falados

grupos sanguíneos afeiçoados

à medida dos corpos estranhos

que os outros passaram a ser. 

Os nomes

são apenas os nomes

um pretérito estilhaçado

no imperfeito que rima com o futuro.

Injustiças indocumentadas (472)

Dão-se alvíssaras

(ó tamanha generosidade)

anda por aí

uma cabeça perdida. 

#3352

O frio fundo 

fundeia na ossatura do dia 

o gelo dá conta das veias 

arrefece as vidas pendidas.

15.12.24

#3351

Os olhos 

fingem mentiras; 

nunca avivaram tanto 

a verdade.

14.12.24

#3350

Somos 

a carne exposta 

ao gume dilacerante

dos dias contínuos.

13.12.24

Injustiças indocumentadas (471)

Arma da escolha

ou

a escolha como arma? 

Injustiças indocumentadas (470)

Grassa a graça 

a graça graçola 

que tanto nos 

assola.

#3349

Não é gente a falar 

são martelos pneumáticos 

numa tortura gongórica.

12.12.24

Campeonato do mundo

Somos os cachalotes vilões

mastins embuçando a sede de carne viva

adamastores que transitam nas alheias dores

tiranos seráficos voando sobre a indignidade

lobos incansáveis na solidão déspota

condenados por decreto beato

assanhados apócrifos em piscinas vazias

hereges sem herança

párias devolvidos ao nevoeiro circunspecto

ladrões de nomes

ladrões em forma de plágio

mandantes a soldo de um punhado de moedas

consciências sem consciência;

mas

tirando isso

não nos podem acusar de nada.