Tudo
o ser e o nada
o inadiável e a metamorfose.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Deixei-me posar ao lado de uma interjeição.
O quadro parecia bucólico
os dentes cariados bem escondidos
pelos lábios em forma de perfeição
lábios daqueles
que ateiam pensamentos carnais
enquanto a voz de comando
ordenava ao luar que mantivesse
a compostura.
Um poema não dá de comer a ninguém,
advertia o ministro com a pasta toda
e o séquito,
os conselheiros mais os rapazes do partido
e aqueles patuscos
que se emprestam como pano de fundo
quando sua excelência perora para as tevês
– a seita de aspirantes
acenava obedientemente
concordando
– pois então.
Uma serpente espreitava
entre os pedregulhos sobranceiros
ao lago no jardim grande
salivando o veneno
que só os déspotas entendem.
Não bati em retirada;
aliás
não bati em nada
sou um pacifista emérito
e nunca
– juro que nunca,
sem correr o risco de ser apanhado
na curva sinuosa da mentira –
tirei de esforço com vivalma
viva ou morta.
Nestes preparos
vou ali às escondidas fumar um cigarro
eu,
que não sou fumador,
só para contrariar o edil de Milão
que se lembrou de proibir o tabaco ao ar livre
aprisionando-o
na extensão do fascismo higiénico
que coloniza e coloniza e coloniza.
A exuberância da época
ou a embriaguez dos convidados
para o festim do consumo:
todos aos saldos
todos aos saltos.
Em meu nome
as bandeiras derruídas
os archotes contra o solipsismo
a matéria etérea nas costuras do dia
os dados que nos são dados
enquanto os dedos adivinham a manhã.
Em meu nome
constelações por inventariar
a pele junto ao peito
o forasteiro dividido
entre a pertença e a ausência
um proeminente cabo que investe contra o mar
a maresia agitada contra as bocas druidas
uma armadura à prova de mundo
o cais generoso.
Em meu nome
o paradeiro dos escrivães dos tempos omissos
a letargia fundente
o degelo armistício
o esquecimento pródigo.
Muito se fala
da última instância
sem se saber do paradeiro
da instância primeira.
Ainda esperneiam
as borras do ano ido
e uma promessa de ano
debate-se
no frágil espaçamento do tempo.
Oxalá
as carnificinas fossem todas
o efeito de poemas terçados
pelas bocas assintomáticas
de poetas e recitadores.
Um agasalho
a favor da combustão
esconjura a raiz dos medos
a fina fazenda
que faz a faina dos justos.
O olhar desimpedido
a maresia por diante
a beijar
a pele seca pelo estio dos sentidos
combina um encontro
com o luar sucessivo.
Os olhos que não se gastam
aprendem com os lugares vivos
a mortalha que se abate
límpida
sobre os tentáculos do conhecimento.
Arrasto os rostos macilentos.
O sol que ateie um fogacho de cor
à medida que estilhaçamos
as dores espúrias.
Já não há heróis
o sangue está caro
e a esperança de vida
upa, upa
custeou a inflação da vida.
Agenda para o novo ano
(AC: gente que tutela o mantra do progressismo):
extinguir o pai Natal
substituí-lo pela mãe Natal.