6.2.25

#4006

Antigamente

não era bom;

antigamente

já não existe.

5.2.25

Desembaixada

Guardo o sangue passado 

no rio que se torna mar 

num futuro que não tarda.

Escolho as sílabas cantantes 

entre o medo de ser 

e a ambição de vultos torrenciais.

A fita métrica

sobe a andares altos 

onde solenes discursam 

os embaixadores da pertença.

 

Guardo o sangue 

passado de desperdício a passaporte.

 

Se ainda for a tempo 

digam que fui discreto 

na convocatória de ovações 

pois, assim como assim, 

elas eram sempre em causa alheia.

 

Nunca soube 

de mim ser

embaixador.

Injustiças documentadas (503)

Tivemos 

uma desinteligência artificial,

comentaram

a propósito de uma desavença.

#4005

Estou 

deste lado

por saber 

do lado avesso.

4.2.25

Sobre beijos (e páginas) arrancados

Não se diga

de um beijo arrancado

que é como o arrancar de uma página. 

Há beijos

que não se dão

a menos que sejam arrancados;

e há páginas

que merecem ser arrancadas

para ganharem adesão.

#4004

Contrariado,

o não desmentido

por dentro de outro não.

3.2.25

Candeeiros

Levas com o arroz

se fores insincero

 

(que gostamos de eufemismos

e insincero é menos denotativo

põe uma máscara 

na mentira sistemática).

 

O joelho fraco vacila

afocinha na valeta marota

dele se riem os bastardos 

que não fogem de manjares 

mas não se importam

não andam à caça de mentores

nem se intimidam com a noite baça

que sobe ao céu desalojando o luar. 

 

Inaugurado o silêncio

falta descobrir o primeiro a violá-lo;

não será crime airoso

nem aqui se convocam 

carnalidades ao desbarato:

às vezes

antes a voz moderada

e deixar por conta do silêncio

a voz significativa. 

 

(Ou será pior

o silêncio como uma lâmina 

que decepa a confiança

pior a ser

do que as palavras 

que mais feridas instruam.)

 

As espadas 

estão despojadas pelo chão

e os tutores da lógica 

destronados

resistem dentro das camisas que os aprisionam. 

Não gostam de ser contrariados

não nasceram para esse desfeitear.

#4003

O rastilho rabeia 

sob os olhos conspícuos 

que se confundem 

com apatia.

2.2.25

#4002

A História

a subir do medo 

sob o véu que omite histórias.

1.2.25

O futuro tem o nome do medo

Corre a voz comum

estes 

são tempos da morte do teatro;

de cada vez que uma voz soluça

outras são caladas

em nome do um “bem maior”

sem haver quem informe 

sobre os limites do “bem maior”.

Costuram-se enredos

adulteram-se os termos 

em que se compõem os dias

jogam-se distopias contra utopias

num novelo de farsas

por onde desfila um exército de mitómanos

todos enferrujados

uns com a ferrugem do passado 

outros com a ferrugem que há-de ser vindoura. 

E o teatro desfalece

o palco consumido por térmitas diligentes

que torcem o braço ao tempo

e cospem nas circunstâncias. 

 

O futuro 

tem o nome do medo.

 

O nome

da obnóxia condição dos audazes 

os que se deixam pensar pela cabeça dos outros

e são atirados para a boca das feras

orgulhosos 

por ostentarem os galões de testas-de-ferro

quando, coitados, são os frágeis ossos 

os óbvios candidatos a serem carcaças 

quando no palco público 

forem reduzidos a escombros. 

 

As guerras

 

(o monopólio dos beócios

a tela onde bolçam os funestos

os que desaprenderam o que custa uma vida)

 

sempre foram este retrato

a síntese apurada da mais pura indignidade

do Homem.

#4001

A gala dissolve-se num instante 

nós 

é que somos da cerimónia os mestres 

em redondas odes aos prazeres.   

31.1.25

A metáfora do ovo e da transparência

Disse à gema de ovo

que emudece sem a clara 

– ou não fosse a clara 

a ditar a transparência do ovo.

 

Houvesse mais gente

a aprender a lição

e dispensadas seriam

as sistemáticas operações de limpeza

que ocupam os braços da justiça.

Injustiças documentadas (502)

Conto o 

conto de facas. 

De facas.

#4000

Arrumo a ferrugem a um canto 

a decadência pode esperar 

o seu canto de cisne.

30.1.25

Acento tónico

Se o que dizemos 

precisa de suspensórios 

queremos arneses 

tutores lisonjeiros que dão aval às palavras

estetas desabridos no coração da moral

um sofá rombo para exercer a preguiça.

 

Se o que dizemos 

se subleva contra nós 

não desistimos da fala

nem do consagrado direito a asnear

ou de perfumar os dias com a liberdade

de apenas 

ser.

 

As maldições escaninhas 

as que se insinuam entre teias de areia

ficam por conta de quem as tutela.

 

Nós 

só queremos 

um gelado ao entardecer

o calor da mão amada

um jardim bucólico como exílio

os filhos a espigar

e todos os ocasos que pressentem

a aurora consecutiva.

Injustiças documentadas (501)

Já que a ninguém 

é dado acasalar com misérias 

tirar a barriga delas 

é bom conselheiro.

Injustiças documentadas (500)

De fio a Pavia 

passando por 

Salamanca e Pádua.

Injustiças documentadas (499)

Que erres 

com todos os erres 

em que o erro erra.

#3399

A ironia 

é fingirem ser

o que não conseguem.

29.1.25

Sob a condição de ser vadio

Sem entrarem na boca do lobo

os rebeldes

disputam a coroa de vadio:

 

é um disparatar à toa

como se não soubessem os nomes

e forjassem um despudor de alma

que não passa de uma farsa.

 

Soubessem 

que ser vadio não é injúria

e não participavam 

neste cortejo de agravos 

não reconhecidos.

#3398

Um vago rumor nos bastidores 

a melancólica nuvem a descer do passado 

e um estirador à espera de intenção.

28.1.25

Teima

O fogo que arrefece o labirinto 

o revés assimilado no alfobre dos embaixadores

a litania que corre atrás das falas excessivas

a espuma escondida atrás dos néones

os nomes exaustos que moram no cais 

os rostos emudecidos na solidão imprevista

as saias a fazerem de cortinas

o palco esburacado onde só mora o escol

as baionetas descontinuadas por medo do futuro

um leve beijo que acetina a pele

a prole devida em abundantes presunções

o leito cabal à procura de cabimento

o cabaz sem nome que ensaia o exílio

a amadurecida combustão sem espera 

os tiranetes depostos em ato sem impugnação

a memória resguardada dos segredos embaciados.

#3397

Corre o vento 

loucamente

não espera que haja amanhã.

27.1.25

De rajada

Do espelho

estilhaços avulsos

a mudez invernal

a súplica de um luar. 

 

Os braços 

avalistas das bandeiras

arremetem contra a sisudez

dicionários dos dias sem sombra. 

 

As montanhas

silhueta capaz

ensinam a lucidez

a peregrinos da altivez. 

 

Rejeitados

os demónios extravagantes

emudecem por dentro

apaga-se a chama dantes temida. 

 

O amanhecer

verbo nunca gasto de simplicidade

amarrota os rostos estremunhados

desanunciando os tradutores do desassossego. 

Injustiças documentadas (498)

Avia o mal.

Havia um mal 

– devidamente aviado.

#3396

Um luar estreito amuralha o olhar 

adiando o sono 

até a insónia cair de solidão.

26.1.25

#3395

Santos costumes 

tantas vezes pregados 

e muitas mais desertos.

25.1.25

#3394

Deixa 

à rosa-dos-ventos 

o sabor 

do vento que canta.

24.1.25

Avant la lettre

Esbraceja o ódio antes que seja futuro

dá-o como património de colóquios

manifestos vários em forma de arte

fantasmas sopesados com o jugo cirúrgico

de quem fabrica oráculos.

Sê tu o agente que fermenta o ódio

o desambientado embaixador de radicais

o desbocado comparador de Histórias sem igual.

E depois

quando a profecia que

(parece)

queres revelada

tiver aquiescência pela mesa de voto

não digas que te esqueceste de forjar 

tão profana profecia.

Injustiças documentadas (497)

Mausoléu.

Maus ao léu.