10.4.25

Injustiças documentadas (528)

E depois havia aquele notável 

que, cansado de o ser, 

suplicava 

“quando for pequeno”.

Primeira página

Tomamos conta do luar

apanhamos de cor 

as pétalas que levitam

e dançamos os verbos encantados

que nascem no sangue amotinado.

#4057

Gosto do improvável: 

dos dias diferentes 

procede o condimento da vida.

9.4.25

Custódia

A senda aberta 

o grande temor do mundo

arrancado aos ferros ferrugentos

amacia as palavras que se estilhaçam.

Manifesto contra os contratempos

Podemos dar nomes a vulcões

ou apenas ficar à espera do luar

enquanto afastamos o crepúsculo

com as costas das mãos.

 

Podemos assentar os olhos no devir

amassando os verbos até serem pródigos

e cortejar os jacarandás

até que se tornem nossa bandeira oficial.

 

Podemos desejar os versos por fazer

sermos arquitetos da poesia sem estribo

ou apenas darmos a voz colossal

ao palco onde se emancipa a fala.

 

Podemos fugir da noite fria

empunhando as mãos enlaçadas

que fruem no hino magistral

enquanto vemos os dias em roda-livre.

 

Podemos ouvir o rumor das rugas

o silencioso penhor que não recusamos

e estender os passos ao tamanho do mundo

no calendário sem regras que levamos nas mãos.

#4056

Sou 

o chão 

que se entranha 

no corpo.

8.4.25

Conduta

Permanente contratempo

a égide dos olhos tomados pelas nuvens

e lá fora

a multidão sem protesto por falta de causa. 

 

Logo que os tribunais dos sentidos

ganhem sua pausa

peço à lua um chapéu sem abas

para do luar pedir duas estrofes de empréstimo

enquanto finjo um sono improvável

e escuto as falas que se entrecruzam

no reino destronado 

por conta da avenida dos heróis sem nome. 

 

Não se diga 

que há carestia de palavras. 

O poema arredondado 

sobe no crescente diurno

emoldura o rio prateado

como se fosse medalha olímpica. 

Injustiças documentadas (527)

Correr à boca pequena

é mais devagar 

do que correr à boca grande?

#4055

Desmata o preconceito. 

Não precisas dele 

até seres noite puída. 

Injustiças documentadas (526)

Descobri 

o (mesmo) saco 

onde está 

a farinha (adulterada).

7.4.25

Musgo

Rasuradas as lágrimas

extingue-se o vulcão da memória. 

 

Agora somos só nós

uns braços sem arestas

e a visibilidade da manhã fria. 

 

À sorte

pedimos a água que afasta a sede

uma maré sem nome

que se alista no cais sem prescrição. 

 

Dizemos adeus

aos fantasmas diletantes

e no compêndio da fala

convocamos as bocas sem mudez

elas em forma de poetas

embuçando o exército de párias.

#4054

O rio caduca

quando beija o mar.

6.4.25

#4053

Uma carta de amor 

não se escreve,

vive-se.

5.4.25

#4052

As ideias que se mestiçam

atapetam a glória 

de quem as pensa.

4.4.25

#4051

Diz 

com a força do sangue que trazes 

as estrofes de que te sabes composto.

3.4.25

Telhados de vidro

Das pistolas puídas falam os párias. 

O sol posto sobre as entradas

um embaraço aos estetas

como um campo minado 

por ferramentas amolecidas;

já nisso andam os pastores

desde a alvorada anterior à própria alvorada

o pecaminoso joelho em cima da luz ríspida. 

 

Depois

entram os cavalos desempossados

consomem a saliva irada de quem foi abandonado

impunemente desbaratando a liberdade herdada. 

 

São tantos os contos

que se atropelam na tela do pensamento;

não chega todo o vocabulário

nem a medida do tempo parece combinar

e a trovoada como pano de fundo

mistura-se com o rumor do fino fio de água

que é ainda véspera de um rio. 

 

Avançam

sobrepostos a uma meada de nuvens

os braços frenéticos que falam de segredos;

avançam

reféns da sua ordem meteórica de acasos

e nós

desde a plateia

esboçamos um coro esforçado

não escondemos o olhar seráfico

que se antecipa ao sono tutelar. 

#4050

Um lírio sem haste 

fala pelas lágrimas órfãs.

2.4.25

#4049

Praticamente a desembestar, 

o torneio que não se candidata 

ao fátuo.

1.4.25

#4048

As pétalas dançam 

memorizam o dia latente 

antes de serem expropriadas 

pelo vento tardio.

18.3.25

#4047

O festim 

troca silêncio por solenidade 

averba um porvir que dispensa 

juras.

17.3.25

Jardim

A participação na dança

não

o esmero nos socalcos 

onde se aformoseiam palavras

sim

o sulco na costura do Sul

talvez

o lugar embaciado

que desfalece no colo sentinela

não

o tira-teimas

contra teimosos incorrigíveis

sim

de malas aviadas no porão do futuro

talvez

e depois o grotesco pesar

que grita por dentro de vozes sombrias

não

o logro defenestrado

no óbice dos mastins profissionais

sim

e um adiamento sem deusa

apenas critério

talvez.

#4046

A ordem da lata 

sem tergiversações aposta 

em mandantes medíocres.

Injustiças documentadas (525)

Uma força 

que é uma farsa.

 

(De um cão que ladra 

mas fica por morder)

16.3.25

Marioneta

Em choque frontal

o clarão acende-se na frontaria da cidade.

As olheiras mandam nos rostos

eles que foram vacinadas a contra as lágrimas

os esgares disfarçando a fuligem dos rostos.

Não há espoliados na contagem dos danos:

a rudeza dos corpos

é o tirocínio sem falta

o olhar lúcido que se projeta

no cais firme em que se lançam as mãos.

#4045

O ruim humor 

pela calada

desarruma os olhos atreitos.

15.3.25

Injustiças documentadas (524)

Fazer suar os alarmes

como quem vai à sauna.

#4044

Pede, 

e espera, 

deferimento;

penhoradamente

– penhoradamente

 

(ou lá o que isso é: 

manto do fingimento,

disfarce dos impostores).

14.3.25

Assimetria

Cabia na enseada o curto chapéu da memória

as ondas modestas a roubarem o silêncio.

Nas trovas providenciais arrumavam-se as vozes

fendidas no espectral avanço da fala

pequenas sereias habilitadas pelas palavras.

Quem podia dotar a palavra

escondeu-se na mudez.

Ninguém soube a não ser o nada

menos os que se refugiaram no silêncio

que nem sob tortura acabariam por ceder.

Não faz mal:

o que escondem como monopólio do saber

tem a mesma importância 

das coisas desimportantes.

Reverencial

Avanço no medo

soterrado

pelos lingotes que falam manhãs

as umbrias que esbracejam

uma fala.

 

Concedo um lanço

aterrado

com os magotes que povoam amanhãs

as fímbrias que esvoejam 

o que cala.

#4043

Dizer 

transparente

para esconjurar 

fantasmas.