9.7.25

Anarquia

As cartas transparentes

como quem procura as soluções

antes de começar as palavras cruzadas:

a regra é a desregra

penhor da exceção

a metamorfose das regras.

Não custa sabê-las

só é custosa a obediência.

E ainda maltratam

desde manuais de instruções

a códigos dos generais da moralidade

como anátema

a anarquia.

#4144

Apeado 

o sol nascente a mascarar o olhar 

esperou que o dia se fizesse homem.

8.7.25

Ninguém pediu a salvação

Dão as asas ao cavalo errado:

 

as lágrimas vertidas no espelho

são de um puro sangue

e os puros sangue

dispensam asas.

 

Não se engasta o ouro 

nos anéis escondidos:

 

as ameias confirmam inimigos

ou apenas uma imagem deles

pois os que não desconfiam

sentenciam através de janelas 

franqueadas.


Os deuses estão com dúvidas:

 

os rios 

não param nas vírgulas do tempo

e há vozes que não se viram do avesso

com medo da pele vetusta.

 

Os rios

sobem pelo entardecer

como se fossem a caução dos famintos.

Injustiças documentadas (557)

Torcer o nariz 

mas sem o fraturar.

#4143

O alfaiate da memória 

esconjura as cicatrizes

do tempo.

7.7.25

Testemunha

Disse-me a maresia

a lua quer ser gémea do teu olhar

tremer nos lábios prementes

que desfazem a fala nos beijos telúricos

verter o sal vulcânico nas cicatrizes fechadas

e dizer

com os pulmões a sangrar o ouro haurido

que teus são os olhos que cobram a noite

nas fachadas incandescentes

que demoram na quietude do luar

escondidas nas nuvens furtivas

que fingem o ar dos dias

no ouro das tuas mãos regaço.

#4142

O foro próprio

em assentidas tardes de deliberação 

desconspira as tábuas malditas 

que procuram úbere.

6.7.25

#4141

Rasgo a folha do calendário 

salto um dia 

deixo espaço ao vazio.

5.7.25

#4140

Sobre as coisas do mundo 

verto um olhar espartano 

melhor é quando a esperança 

é vetada à partida.

4.7.25

Espantalho

O algoritmo dos costumes 

desembaraça-se do biombo.

 

O número das bestas corre no estuário

chovem os botões de rosa 

arrancados aos pés

e a bengala puída 

cambaleia com a ajuda do vento.

 

Ninguém fugiu da noite radiosa

a lua ajudava a compor os olhos vadios;
se não fosse pelas ruas penhoradas

a pele tinha a cor do luar

e isso era uma coisa boa.

 

As promessas quase sempre

não passam de promessas.

 

Mas as pessoas não desistem

antecipam as ilusões que marejam

no miradouro onde os sonhos 

se dissolvem.

 

Dizem

sentados num proverbial lugar-comum:

sonhar não paga 

imposto.

Injustiças documentadas (556)

O diabo

cabe no buraco 

da agulha?

#4139

Se rareia a lucidez 

é porque andamos entretidos 

em mundos paralelos,

a fugir do anátema do existente.

3.7.25

Selo branco

Não soam os verbos puídos

com o advento do crepúsculo:

não querem sair do esconderijo

dispensáveis 

ao saberem da gravidade da maré reinante.

 

Mas

às vezes

(mais)

é preciso dar lugar às palavras-parafuso

aos estrénuos, lancinantes versos

que cozinham as coisas em cru

deixando as madrugadas órfãs

por ausência justificada

numa maceração atónita.

 

E as ondas embutidas na pele sacrílega

fumigam os lugares-comuns

como se as pessoas pudessem

com a franqueza que não é atributo

despossuir-se das amarras de outrora.

Carimbam as palavras

que não deixam créditos à indiferença

impassíveis 

à reprovação dos estandartes do regime

as pessoas suas cultoras

elas sim

indiferentes à censura

que morde em vez da amnistia.

 

Os anéis apertam a jugular

jogam as partidas dinamitadas

sobre o chão insalubre onde se encontram

as raízes de quase tudo.

 

Amanhecemos nas bocas plenas

e não esperamos pelo tempo

habilitamos nós mesmos 

as falas que condoem

os espíritos avulsos que não desistem

de serem órfãos

mas se confundem com vítimas.

#4138

Feito num oito 

o padrinho das mentiras 

sempre a pisar o pântano perene.

2.7.25

Prova testemunhal

Ninguém diga

ser perito 

em fugir das emboscadas

averbadas em páginas puídas

como se só houvesse contingência

da nuca para trás. 

Do incubar que levita conspirações

não retenho doenças que subam às bandeiras

não convoco os demónios; 

deixo-os à míngua

eviscerados na sua própria

amputação

e assim soberano

dito os termos dos erros voluntários

evaporo os arrependimentos larvares

mal esboçam um movimento na sua aurora. 

 

Este é o alvará dos frágeis

a imensa penumbra que embacia as palavras

os temerários discípulos das coisas nadas

que açambarcam a luz tépida das manhãs 

que prolongam o estio. 

Eis a poderosa saída para um segredo hipotecado

as águas doces sem serem sobremesa

os patifes que ninguém respeita

oráculos de um medo dissolvido

os párias

os autênticos párias

que não respondem a hinos e bandeiras

e são o paradeiro 

da sua própria história. 

#4137

De bruços 

afocinhando na pútrida fealdade do mundo 

antes que seja a vez do Verão 

coser os corpos em banho-inferno.

1.7.25

Injustiças documentadas (555)

A mão de semear 

era a mais fértil 

das mãos.

Injustiças documentadas (554)

Uns procuram 

a evasão fiscal 

outros protegem-se 

da invasão fiscal. 

#4136

O amuleto 

segreda a estrofe 

que tem a custódia da quimera.

30.6.25

Deste elixir contratual

Arregaçada

a pele conjuntural

atira-se ao fogo 

com uma vontade aquosa

de quem tem muitos rios a dormir

no leito.

 

Os rostos queriam ser perenes

arqueados sobre as pernas infatigáveis;

sobra um lago por fazer

as fronteiras imarcescíveis 

bordando as costuras dos seres,

à prova de guerras civis.

 

Na véspera da noite inaugural

as falas sublevam-se

contra a validade dos corpos.

Injustiças documentadas (553)

Cepa torta, cepa torta 

vai bater àquela horta.

#4135

O ricochete

sela a fama 

da vingança.

29.6.25

Injustiças documentadas (552)

Está, 

dizem, 

pela hora da morte

mas eu não sei 

qual é o fuso horário.

#4134

Usa a escotilha 

para guardar os segredos.

28.6.25

#4133

O esquecimento

passeia pelo deserto 

onde tudo fica 

refém de trevas.

27.6.25

Injustiças documentadas (551)

Não há missas grátis.

Não há misses grátis.

#4132

Não é o “rés-do-chão do pensamento”, 

é o subsolo do pensamento.

 

[Doença contemporânea]

26.6.25

O sangue do vulcão

O sangue do vulcão 

esperneia 

às costas do medo.

 

As feridas

são o penso da loucura

sobre elas pesam 

as fundações do passado.

 

No viés da maré

contam-se as palavras turvas

o imenso lamento por esgotar.

 

E o vulcão em sangue

desce 

antes que o tempo tenha paridade

sua é a sede do mar furtivo.

 

A pele suada foge da noite

na peugada dos sonhos de autor.

 

Não se espere muito dos dados

à conta de sortilégios

a boca emudece

no provérbio venal.

 

Falam

as pessoas que saíram à rua

falam como se houvesse

quem as quisesse mudas:

não se sabe o que dizem

mas também não importa.

 

O sangue do vulcão

cicatriza sob os auspícios

do mar

agora sobram as tatuagens

para memória futura.

#4131

Mudar a vírgula

antes que seja vergonha 

antes que seja mudar de vírgula.

25.6.25

Injustiças documentadas (550)

As forças vivas da cidade 

eram aquelas 

que não tinham o cemitério 

como residência.