Muda a hora.
Muda,
uma hora.
A hora
não muda.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Nómada no lugar certo
esbracejo não-bandeiras
atiço o idioma recauchutado
beijo o amanhã desafiado.
Dar à corda
toda
imerso na audácia
e das baias do dia
trazer
mel que adoça a pele
e a ousadia
que sinaliza a coragem.
Deixa o sangue correr
as sílabas no seu tempo certo
o amanhã ser a fotografia capaz
um nome a estrofe prometida.
A sucata ordena o feixe da decadência.
Não importa,
temos o destino cinzelado
no horizonte no seguimento do nariz.
As luas sobrepõem-se
falam mais alto que as trevas.
Todas as mãos são anónimas.
Não há autoria
nem o embelezamento improfícuo
de personalidades exacerbadas
no sangue em que correm.
Diremos amanhã
Para a ata das intenções ditaremos
talvez
impropérios
agastados que estamos.
Seremos
(pode ser dito sem recearmos represálias)
dissidentes.
Dissidentes
a começar
de nós mesmos.
Cabeçalho, cabeçudo
cabeção, cabisbaixo
canhestro, calhorda
sinistro, santeiro
simiesco, sinaleiro
armeiro, arabesco
alfândega, alentejano
bardo, bago
batráquio, balsa
poejo, paróquia
parteira, perfunctório.
Os apóstolos do ambiente
calados
estranhamente calados
não acusam a cocaína
que polui as águas do Porto.
A alma vestida a rigor
dança só quando chove
abraçada ao vento iracundo
remexendo entre as nuvens gastas
prometendo o anoitecer em forma de verso.
A alma
vestida a rigor
não desmente o estremecimento
quando o rio combina com o luar
e um prateado braço de água escorrega
até à foz
onde se confirmam os pesadelos arrematados.
A alma
vestida
a rigor
no exato testamento
das flores colhidas
dos entes a caminho de queridos
da frugalidade
que ensina a ver depois do espelho baço
adormecendo com o murmúrio do entardecer
adormecendo
abraçando aos sonhos exilados
na exaltação que se cola à pele desadormecida.
Porque
a alma
está
vestida
a rigor.
O poema
é as nossas mãos
que se fundem
na véspera da loucura.
O poema
é o silêncio que colonizou
estrofes.
O poema
é a rua inaugurada
no despontar da cidade.
O poema
é a manhã que levita
sobre os sonhos limítrofes.
O poema
é um verso singular
tatuado no coração amplo.
O poema
é o piano que ensinamos
a quatro mãos.
O poema
é a escultura
em que nos tornamos
o marco geodésico adivinhado
o cais terminal sem gramática por baixo
a entardecida jarra onde nadam
as flores robustas.
O poema
é matéria-prima
constante
um sinal sem trânsito
dieta que não pede regras
o poema armilar
a esbracejar a alma combustível
no parapeito do amanhã.
O poema
não precisa de poeta
só precisa
dos nossos olhares impuros
alfaiates da métrica em desuso
pátria maternal das manhãs ateadas
no incenso sussurrado
pelas nossas bocas.
O poema
não precisa
de poetas
se nós lhe demos
corpo.
Disse:
a liberdade tem de ser regada.
Não disse
a liberdade tem de ser regrada.
As palavras
tinham a cor da mentira
o desporto nacional favorito
a seguir
à fraude com dinheiro dos outros.
A janela efémera
olha por dentro das veias
cicatriza a carne aberta
pelo tempo estouvado.
As linhas cosidas sobre a pele
arrefecem o ardor
os novelos do ocaso dão-se à combustão
e os sentidos hibernam
entre as estrelas avulsas.
Olho pelas fogueiras que hasteiam refúgios
é esta atalaia que redijo em forma de lei
mesmo que seja baldio o pensamento
e em vez de cortinas veja o luar caiado.
Corro pelos miradouros
corro como se não precisasse do sono
a maré alta de meu peito desdoído
a fala que se intromete no silêncio.
Por este andar
num destes dias vindouros
os elegíveis serão ilegíveis.
Mergulhados na tômbola
ficamos à espera
que ora se ria connosco
ora se ria de sermos seu infortúnio.
Peguei nas miragens todas
respirei dentro da escotilha
soube dizer as sílabas da ousadia
e na véspera do medo
arrastei a coragem em nome dos pés
até que de um fôlego só
atirei as nuvens para cima do horizonte
e pude ser do sol a alma gémea.
De cada vez
que se acanha o luar
é tirada a prova dos nove
à redenção que se fabrica
num lampejo.