31.5.24

#3168

A luz inaugural 

descose a penumbra 

a cidade acorda de atalaia 

ao rio mecenas.

Tribunal dos espartanos

Impuro

o avassalador tremor

contagia o medo.

 

As bocas frágeis 

pedem o colostro 

das mães altivas.

 

Não se ensaia a noite

nas danças povoadas a limão

e na idade sem luxo.

 

Os animais

habitam os lugares meãos

inabitáveis, porém.

 

Os deuses não falam;

 

combinam farsas sem olhar

e deixam aos mortais

as portas guardadas 

no aval dos segredos.

Injustiças indocumentadas (364)

A caravana ladra 

e os cães passam.

#3167

Os mares todos 

não chegam 

para tanto fingir; 

os rostos e as almas 

aprenderam a descafeinar.

30.5.24

#3166

O bacharel 

pede mel

à medida do 

venerável.

Injustiças indocumentadas (363)

Passagem,

de nível.

29.5.24

#3165

Uma praça

não se pode chamar

da batalha.

28.5.24

Manual de intenções contra as ideias feitas

De portagem que se paga

no lúdico amparo de ideias feitas

desembolsam-se fortunas estéreis

tão estéreis

como as ideias 

que já estão feitas. 

Devia ser o avesso:

quem fosse patrono de pré-fabricados ideias

teria de arcar com um estipêndio

para nos apetrecharmos com armas de proteção 

contra as armas de destruição maciça

que são os lugares-comuns. 

Quando a renda pública não se ressentisse

sinal seria 

que as ideias feitas 

estavam em vias de extinção

e a despoluição mental,

encomendada e já aviada,

não demorava a arrimar 

nas caixas de correio.

#3164

Os olhos

ansiosamente incensados

habitam numa febre capaz

bebem nas palavras recolhidas

em versos.

27.5.24

Injustiças indocumentadas (362)

Os altos quadros

obedecem 

a um mínimo de estatura?

#3163

Um rosto órfão

a pedir

um nome.

26.5.24

Injustiças indocumentadas (361)

E o guarda-costas

não guarda

o resto?

#3162

O crepúsculo 

fala em segredos

dilata o sangue 

antes que arrefeça

com o anoitecer.

25.5.24

#3161

Se ao vento 

roubares as asas 

e em teu peito 

os versos abotoarem.

24.5.24

#3160

Entre tantos novelos de memórias 

o fio solto de um sonho.

23.5.24

Heróis

Não é longe

o beijo que espera

o peito que faz de cais

o verso em forma de lírio

a porta onde combinamos abrigo. 

Hoje

procuro na pele um anjo

convoco a água torrencial

mergulho na tocha que ateámos

na enseada onde nos deitámos, heróis.

Lança-chamas

Do suor não se alcança idioma 

como berberes que flanqueiam o deserto

tingidas as peles pelo sol duradouro

os oásis estandartes escondidos

sob os dietéticos óculos de sol

e na banda sonora em surdina

outro veio da colonização cultural

o cantor a ensinar a ser amante e herói.

#3159

As peças avulsas

estilhaçam a espessura do dia

ficam por ser 

um puzzle com moldura.

22.5.24

Inquérito

Para onde atira

o olho do furacão?

 

Por onde anda

a venda do vulcão?

 

Por quem se encomenda

o hálito do caimão?

 

Para onde caminha

o esqueleto do varão?

Injustiças indocumentadas (360)

O lobo 

deixou de ser 

mau

 

(graças à biodiversidade).

Injustiças indocumentadas (359)

Vergonha 

é encher a boca 

com tanta vergonha.

#3158

Um eclipse 

sobre as costas pesadas 

uma sombra que trava 

o entendimento.

21.5.24

Torre gasta

O estaleiro oferecia as facas a pedido

não era de estranhar a dica ensanguentada

e os mirones não ocasionais, 

arremedos de vampiros culturais. 

Os déspotas adejavam entre os poros da nuvens

amanheciam furtando lugares aos inocentes

e nunca fingiam a absolvição

por entre o empedrado gasto e escorregadio

onde o trânsito da manhã se enlutava de sorriso. 

A ocorrência tinha de ser participada

mas não havia bombeiros por perto

e a polícia amesendava ao pequeno-almoço. 

“É nesta desgraça que estamos”

estremou um habitual desiludido profissional

enquanto limpava o sebo do mundo

à bandeira pútrida que encontrou à mão. 

Não fossem concorrentes

bombeiros e bandalhos da desesperança

para se tornarem hemisférios gémeos

e das duas bocas 

bolçarem sons guturais e risíveis

como quem fica sob a mira do apocalipse

e começa 

a contar números da frente para trás. 

Os teares estavam tomados pela ferrugem

os dedos capitularam às artroses 

já tudo se adivinhava como profecia do passado

e os rostos embaciados propunham-se 

ao desfiladeiro

mas ninguém podia entoar a palavra decadência

não fossem os maus espíritos 

soltar-se da hibernação

e, gastos mas ainda fortes,

levassem o braço vencido e enrugado

a admitir o estertor 

o timbre venal de quem sabia certo 

o desenlace.

#3157

As palavras daninhas 

não passam 

do rés-da-vida.

20.5.24

O lugar do paraíso

Não precisas de sete chaves

para à porta dares 

ordem de clausura. 

A matéria do silêncio

é prima do sortilégio

e a fala assim encenada

cavalga nas esporas do impossível

mesmo à espera da absolvição. 

Arrumas a pele sentada

no rodapé da fogueira invernal. 

Sentes a carne que geme 

protestando a favor

a favor de uma coisa avulsa

ainda por apurar. 

Se os olhos 

estão tão claros como a alvorada

se triunfam no idioma futuro

têm de ser conservados

a favor das mãos tácitas

desfazendo o lúgubre lugar 

tornado moldura 

de um paraíso sem nome

(ainda).

Injustiças indocumentadas (358)

Aos mal-entendidos

que 

foram entendidos a bem.

Injustiças indocumentadas (357)

As horas valentes

(também)

deviam ter um hino.

#3156

Um meteorito 

depressa se torna 

metáfora. 

19.5.24

#3155

Três quilómetros de sorrisos

não menos

e uma dioptria a mais

para confirmar a craveira.

18.5.24

#3154

Não é a absolvição

que tentamos saber; 

há tanta transgressão

sem precisar de holofotes.