21.5.24

Torre gasta

O estaleiro oferecia as facas a pedido

não era de estranhar a dica ensanguentada

e os mirones não ocasionais, 

arremedos de vampiros culturais. 

Os déspotas adejavam entre os poros da nuvens

amanheciam furtando lugares aos inocentes

e nunca fingiam a absolvição

por entre o empedrado gasto e escorregadio

onde o trânsito da manhã se enlutava de sorriso. 

A ocorrência tinha de ser participada

mas não havia bombeiros por perto

e a polícia amesendava ao pequeno-almoço. 

“É nesta desgraça que estamos”

estremou um habitual desiludido profissional

enquanto limpava o sebo do mundo

à bandeira pútrida que encontrou à mão. 

Não fossem concorrentes

bombeiros e bandalhos da desesperança

para se tornarem hemisférios gémeos

e das duas bocas 

bolçarem sons guturais e risíveis

como quem fica sob a mira do apocalipse

e começa 

a contar números da frente para trás. 

Os teares estavam tomados pela ferrugem

os dedos capitularam às artroses 

já tudo se adivinhava como profecia do passado

e os rostos embaciados propunham-se 

ao desfiladeiro

mas ninguém podia entoar a palavra decadência

não fossem os maus espíritos 

soltar-se da hibernação

e, gastos mas ainda fortes,

levassem o braço vencido e enrugado

a admitir o estertor 

o timbre venal de quem sabia certo 

o desenlace.

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