3.5.24

Despoluição

Cortês

o aspirante engoliu o ar com uma garfada

e bolçou o cavalheirismo untuoso

que só os distraídos apreciam. 

Convenceu-se

que ia derrubar uma árvore

para transformar em paginas 

à espera de palavras

quando lhe disseram

que faltavam os conhecimentos de química

e uma motosserra que não encravasse. 

Desiludido

e já não cortês mas antes enfurecido

o estroina 

estacionou na esplanada do jardim

e ditou alto o pedido:

rapaz

 

(dito com o desdém 

de quem atinge a cátedra

ao encontrar quem esteja 

num lugar inferior

na escala das castas)

 

traz-me uma caneca de meio litro

e um pratinho de caracóis. 

Os dedos encardidos 

escarafunchavam as cavidades dos caracóis

e ato contínuo

eram atirados para dentro da boca

onde era possível encontrar

“muitos e escurecidos

dentes cariados à mostra”. 

Ocorreu-lhe desopilar 

– ainda não se convencera

da impossibilidade de ser o artesão

na improvável demanda de transformar

uma árvore em resma de papel. 

Meteu-se ao caminho,

não sem antes ter dobrado 

a dose de cerveja,

ajeitando as calças puídas 

que escorregavam pelas nádegas abaixo

e já cambaleante

pergunta à estátua do professor de medicina

se lhe vendia uma aspirina. 

Indignado com o silêncio da estátua

chamou um táxi 

para o levar até à outra margem

onde o esperava 

o tubarão na companhia da esposa. 

“Ó tubarão” 

– enquanto apontava 

na direção do bote encalhado no lodo –

“a tua mulher está a precisar de uma dieta”

fugindo aos tropeções

antes que uma gaivota 

encomendada pela senhora tubarona

uma dose inteira de diarreia atirasse 

em cima de si. 

Saltou o tempo

como o atleta salta a corda

e acordou numa cama. 

Disse

numa cama,

não era a sua cama. 

Dado o conforto da cama

e as formas baças das paredes

e o pensamento que não conseguia ficar em pé

deixou-se ao vagar do sono. 

Quando acordasse

seria a altura de ser cortês

a quem lhe deu abrigo. 

 

(Mal sabia que era a rata da biblioteca 

– explicação ao leitor 

mais dado às coisas lúbricas:

rata da biblioteca

como feminino

dos ratos de biblioteca – 

e nem assim se tomou de pânicos

muito embora da rata de biblioteca

muitos dissessem

que tentara vezes à prova de conta

que um homem da cidade

bem que fosse o mais obtuso

lhe tirasse a condição pura 

com que viera ao mundo.)

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