2.11.06

Dá-me a tua mão

Em todos os lugares.
Houvesse a necessidade de sentir
os poros suaves da tua mão,
mão quente sobre o meu corpo
que grita por afecto.
Quero a tua mão
tal como ela é:
uma candeia que descerra a luz,
derrotando a escuridão.
É pela tua mão que me guio
entre as pedras afiadas que ferem os pés.
Indica o caminho dócil,
uma repousante expedição
até beijar o destino procurado.

Dá-me a tua mão
para sentir o pulsar que se encerra em ti.
Para,
através da tua mão,
ser um pouco do que és.
E dar-te um pouco do bom que há em mim.
Paramos diante de um campo imenso
onde as flores tecem uma cama violeta.
A brisa refresca as nossas faces,
tiritamos do frio que juramos nem sentir.
Que interessa
se atrás de nós arde uma pira
onde se incensam os demónios que deixámos?
Diante dos nossos olhos estão as flores,
dir-se-ia
o túmulo onde não importaria imortalizar
o resto dos nossos dias.

Há nas tuas mãos o rumorejar das águas
que sobem desde as profundezas
e irrompem
numa fonte escondida entre a frondosa vegetação.
As gotas
salpicam os arbustos em redor
toda uma vida alimentada pelo manancial
regurgitado pelas entranhas.
É assim que me sinto
entre as tuas mãos.
Renascido.
Preparado para as adversidades
que poisarem com um ar ameaçador.
Basta um gesto dos teus dedos
uma viagem na ternura da tua mão pelo meu cabelo,
e nada,
mesmo nada,
será força indómita
para vergar o vigor que nasceu em mim.

Repouso
deitado sobre a tua mão.
Sinto o odor,
o calor,
teus.
Consigo discernir
todos os poros da palma da tua mão.
Abres as mãos
e selas um beijo que avigora.
Aí,
todas as portas
que pareciam hermeticamente cerradas
abrem-se de par em par.
Apaziguam-se os ventos
que silvavam violentos urros.
O sol,
que teimava escondido detrás das nuvens plúmbeas,
solfeja raios admiráveis.
O mar sossega as ondas,
tornando-se chão espelho onde apetece levitar.
Tudo pela magia das tuas mãos
que atrevem a contemplação dos sentimentos maiores
reprimidos pelas pedras que perecem, intemporais.
E, contudo,
há uma pulsão irreprimível
que brota das tuas mãos.
E sabemos
que pela força delas conseguimos mover
até as raízes mais fundas de árvores centenárias.

As tuas mãos são um bálsamo.
Há nelas um frémito
que redobra a intensidade das coisas
revigora os sentimentos
que parecem apenas adormecidos.
Eles latejam,
lá no mais íntimo do ser,
com a bênção da cumplicidade
que soubemos instruir.
As tuas mãos esvoaçam enquanto falas,
fazendo desenhos no ar
elipses e outras coisas indescritíveis
enquanto preenches o discurso
com a expressividade das mãos dançantes.
Movimentos que inebriam
pelo sortilégio que empenham.
Enfeitiçado
tomo-te por uma maga
que deu sentido a um nomadismo desorientado.

As tuas mãos são os meus olhos.
Nas tuas mãos me entrego,
de olhos fechados,
sigo por onde elas me levarem.
Não interessa se vendado ou até cego,
pelas tuas mãos calcorreio todas as veredas
– das mais íngremes às que tragam o terreno plano,
das sinuosas às rectas que encurtam planícies sem fim,
às pedregosas
e às que se fazem caminho aveludado.

Vou
por onde as tuas mãos
me quiserem levar.
Confio
que não há encruzilhada que faça demorar
nem caminho errante debulhado.
Se as tuas mãos
são como candeias
que alumiam entre o breu da noite profunda.
Se as tuas mãos
são uma bússola entreaberta
o mapa que leva ao tesouro
que trazemos bem junto ao peito.

Escuto
o rumor do mar alteroso que chega a terra
soprado pela tempestade.
Não há que temer.
As tuas mãos
poderosos diques
que contêm a fúria dos elementos.
E por isso te rogo:
dá-me a tua mão.
O altar
onde fazemos a sagração
da nossa cumplicidade.

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