28.11.06

Peregrinação sangrada

Pedregosos caminhos íngremes escolhem
sede e batimentos cardíacos acelerados
no sacerdócio para os dedos dos pés que se cansam
quando a ladeira empina.

Pedras pontiagudas são como lacre quente
que sangra os pés cansados
punhais cravados que descarnam os pés
como se ossos ficassem à mostra, no seu ocaso.

Só a promessa do céu despejado
a aragem fresca que clareia as estrelas
só a busca da purificação ansiada
devota forças impossíveis.

Passo a passo, cortando a noite profunda
só as candeias acesas, na sua tímida luz,
incensam pedras duras que semeiam feridas
muitas folhas de calendário depois cicatrizes secas.

O tremendo poder mental pode com o resto
derrota adamastores que pairarem em todas as esquinas
afugenta esfaimados lobos que descerem da montanha
um gesto de mão fosse espada desembainhada.

Olhar perdido no distante horizonte
tudo desafia, mesmo o ameaçador breu,
e imprime andamento célere até ao cume
pois é o tempo que se esgota e a alvorada pressentida.

O púlpito do monte atrai batimentos do coração
resgatadas forças onde eram desconhecidas
com a aliada frescura da brisa nocturna,
até agasalho dispensável.

Peregrinos vencem demónios
derrotam falsos sacerdotes que exaurem energias
filisteus denunciados mirrando
perante o trote, indiferente, dos peregrinos.

Lá no alto, contemplação do prometido
lava a dor dos pés que sangram
anestesia cortes lancinantes
misturados com sujidade da subida.

Ostentam espírito coriáceo
envolvesse-os uma carapaça indestrutível
a sua fé indómita no auge de estatuto
quase sobre-humano.

Quando chegam ao alto
não apetece regressar pela descida;
dir-se-ia que se eternizam naquele lugar
sagrado altar que recolhe as suas almas.

Quando descem são apenas corpos
volátil essência, desmembrados do espírito preenchido
na sagração do pináculo da dura peregrinação
enfim, cultores do que tanto se prometeram.

No regresso
até finas ervas são ácido que corrói as feridas
facas cravadas bem fundo nas doloridas chagas
apenas o retorno aos mortais que foram.

Os corpos macerados não chegam
para olvidar delícias do espírito consumado
nem que se arrastem ladeira abaixo
nem que se percam num recôndito lugar, para sempre.

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