14.11.06

Nos braços da areia dourada

Os grãos de areia
suspensos pelo sol em despedida final.
Uma cama sem espinhos
apenas o rosto ao vento
maças do rosto esfriadas pela brisa
que se deita com o sol poente.

Ao longe, o mar
depõe os sentidos perante a areia molhada.
Chega cansado
espumando raiva pelas forças exangues;
deita-se, num assomo final,
o mais que pode é molhar areia já molhada.

Há no salgado mar
os segredos guardados pelos navios
que o cavalgam.
Vêm diluídos,
obscurecidos pelas águas cristalinas,
morrer na areia acastanhada que recolhe a espuma.

O manto de água que viaja sem cessar
é a ponte entre continentes
a harmonia de terras tão longínquas.
Mar que testemunha os perfumes exalados pelas terras
e a têmpera das gentes que se acolhem
em diferentes lugares.

O areal é o leito do mar revolto
ancoradouro levadiço que o acalma
um chão tranquilo escavado pelas ondas
que se afundam e perdem a furibunda energia
ao tocarem a virginal cesta das areias.
Das areias moldadas pelo frémito do oceano.

Pela noite, só o luar
distingue a areia da escuridão das horas.
É aí que os grãos de areia cintilam
com a timidez da luz branca.
É a hora da luz escondida que desnuda
os recantos misteriosos da noite fugidia.

Os grãos de areia
ora repousam na quietude dos elementos
ora dançam, ensandecidos, mostrando a leveza
empurrada pelo vento feroz.
Cama que se faz e desfaz e volta a fazer
na praia imutável, o areal sempre grande.

A distância do tempo guarda segredos.
Os anos e a loucura da atmosfera
colhem o insólito a quem regressa
à praia emoldurada no divã das memórias.
Praia selvagem, revisitada nas suas diferenças,
como se o areal já nem fosse o mesmo, apenas indiferente.

Estranheza que se apodera do corpo:
o regresso ao local de sempre
agora lugar nunca visitado.
Só quando as mãos se entranham na areia
e os grãos escorrem entre os dedos gastos
há o resgate das memórias, o local perde a estranheza.

Aquela areia revolvida,
tragada pela força de tempestades
aviltada por turistas impiedosos
empurrada para remotos lugares pela força do vento;
aquela areia pode ser a mesma, ou outros grãos ali semeados.
Será sempre a praia onde o mar beija o sol poente.

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