Os fórceps diários
eletrocardiograma previsível do mundo
as golas derruídas esbatendo as vozes malsãs
à míngua de arquitetos salvíficos,
extintas as epifanias.
Mergulhas no rio matinal
e sabes
que a pele ruge pelo frio que a trespassa;
os homens querem-se audazes,
ouviste pela vida fora,
sem ser preciso frequentar quartéis
e convenções de nostálgicos
(onde a boçalidade é o verbo farto):
é ao contrário,
arregimenta-se o fino nervo que serve à pele,
a sensibilidade (dizem)
que levita sobre as coisas brutas da vida
emprestando beleza à vida de outra forma bruta.
Tudo é um império de fingimentos
e está é a adversativa que soma uma contusão
às maiores esperanças adivinhadas
para memória futura.
Os rostos são colonizados por disfarces
e nem precisam de máscaras.
As pessoas parecem mortos antes do tempo
ficam paradas à espera da tabuada dos mistérios
como se fossem pescadores
pacientemente aguardando um sinal místico:
a prescrição da anestesia que não pediram.
Juras que não sabes
de que dores é feito o mundo.
Se te dessem para a mão a agulha de tricotar
não darias ao mundo
um emaranhado paradoxal como formato
nem saberias do que serias doador.
Mas não juras nada.
A experiência ensinou-te
a lei geral da inverosimilhança
o pudor estatutário que refreia o ânimo
o contrabandear das almas que se vestem do avesso
a obediência arcaica que coage a liberdade
o impensável como critério cautelar
a colossal humildade de quem é indiferente
o arsenal destituído devolvido à arma da palavra
o fogo apalavrado que ateia o futuro
em toda a carne sangrado
matéria-prima incandescente da vontade
o esteio incorruptível
à prova de provações
privado do medo que nega a pessoa.