29.10.24

Olhos voluntariamente vendados

Vejo 

na alma do mundo tantas cicatrizes

o espólio que se atira de frente 

contra o muro do passado

e em várias toneladas de conhecimento

chega ao estuário exangue, 

extinto.

 

Vejo

as pessoas sem nome

ou com nomes que não sei dizer

reféns de uma penumbra que os atiça

no vulcão perene que os consome

vejo

como falam um idioma que não percebo

e se entregam no luar que é o abismo

disfarçado.

 

Vejo

no miradouro furtivo

as pernas tremidas à medida que avançam

e dos nomes extintos se aproximam

vejo-os

aluados e impassíveis

como se não pudessem ser mais do que peões

ou carne para canhão

que ainda dá direito a uma comenda póstuma

que os heróis querem-se póstumos.

 

Vejo

com as dioptrias todas no ângulo vivo da visão

os banquetes que omitem a miséria

o ultraje dos comendadores em pose hierárquica

um desmodelo afinado pelas mãos usurpadoras.

 

Vejo o que vejo

e desejo

que não visse nada do que vejo.

Sem comentários: