21.3.16

Relógio de água

Dá-me a água doce
que vive dos poros abertos.
Dá-me a água dourada
que prevalece entre as paredes fechadas.
E eu prometo que te dou
o sangue inteiro
as paisagens do mundo
o colo quente
o voar de um pássaro
as mãos cheias de terra perfumada
uns olhos ávidos de ler o teu mapa
um corpo cheio à tua espera.
À tua espera.

Dá-me toda a água
dos mares e rios e lagos
a água fria que aviva o palco sob os pés
a água quente que termina a hibernação.
A água que nidifica numa clepsidra
no oscilar cadenciado dos ponteiros
amanhecendo luz irrefreável.
A água onde metemos as mãos
E desenhamos o mundo.

Dá-me água.
De todas as cores
temperada
tingida
crisálida
efervescente.
A água padrão
a água centelha
a água aristocrata
a água sentada
a água espelho
a água nutriente
a água pendida sobre as nossas cabeças.
Água.
Maresia.
E mais água.

Água
onde nadamos de braços enlaçados
onde boiamos em forma de tálamo
onde repousamos os beijos sem demora.
Em ti
quero a água como fonte fresca
que é em mim torrente
choque térmico em semente fulgor.

Água
até num deserto,
que a fazemos brotar de nossas mãos
na quimera de as termos entrelaçadas.


18.3.16

Pétalas de água

Sei-te assim sentida
no sentimento impuro do dia
sentindo que sou sentimento inteiro.

Sentida nos sinais do enamoramento
ao sentir a força egrégia das veias sentidas
sufragando os sentimentos que contam.

No saber do sentir
e no sentimento sabido
congraçando os sentidos abertos
no hastear solene das bandeiras sentidas.

Assim
sentida
sei-te
na inteireza de mim,
opúsculo com páginas preenchidas
e dos sentimentos arvorados
que sentem o que a sentimentos outros
se ausenta.

Sentimento quimera
no amoedado ouro sentidamente colhido
com os rostos belos nossos
penhores dos sentidos em ebulição.


17.3.16

TGV

À pressa toda,
que o tempo foge
e o amanhã pode ser tardio.
Mete a velocidade que fores capaz
apanha nos braços as lições à mercê
não te distraias com o infortúnio do sono
nem te desperdices poltrão.
Não:
não é um arvoamento
nem as cortinas do tempo são efémeras.
És tu
apressado
a tudo apressar,
não para depressa teres no bornal
as proezas que houver por contar,
mas para mais delas poderes tomar sabor.
Conquista o saber da voragem dos minutos:
não para ordenares que o tempo se apresse
mas para passares depressa pelo tempo.
No inventário final
serás imperador invejado,
ou apenas anónima peça da engrenagem
ensimesmando a serventia da pressa toda.
Tanta
que nem conseguiste demorar
um instante
na durabilidade dos momentos
penhores de perenidade.