Empalidecido,
o medo como um muro
que se abatera sobre si,
não sabia em que verbo
seria amanhã.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Em vez do patriarca
as tágides que seguiam os eflúvios
cantantes
como cantantes são as sombras madrigais
e o provérbio sem casta.
Se não fosse pela diplomacia
os chapéus persignavam-se
ainda rombos
e a contundente mentira abraçava-se
a um disfarce.
Alguém dizia:
o disfarce rima com farsa
e ninguém objetou
que a rima acertou ao lado
errou por milímetros.
Todos distraídos
a contar os gramas que pesam uma lua
sentados em cima das suas almas
e estas impassíveis:
uma alma é à prova de bala
por mais que as balas se sublevem
e tinjam
a tinta imperecível
a pele açambarcada ao labirinto do mundo.
Agora
já não havia patriarcas.
Os sinos tocaram a rebate.
Saber-me
sozinho
ainda que
a rua
esteja atapetada
por uma multidão;
Saber-me
tutor de um sonho
ainda que
o sonho
não tenha mecenas.
Habitas
aereamente
nos ramos das árvores
no exercício
do teu constitucional direito
a seres sonho.
Um arsenal inteiro
a barragem da brandura ao fundo
como se estivessem entretidos
a jogar batalha naval;
e apenas um sonho
a estação preferida
de tantos quantos
tropeçam no dia
que vem depois
do dia.
Antes houvesse dedos contemplativos
um cálice de palavras doces
os frutos a contar do minuto três
ou um filme de trás para a frente;
não que fosse diligência maior
ser o oráculo que vem antes do futuro
(um futuro desses deixa de ser futuro):
o que estava em causa
era ser participante do futuro
de um futuro
não era esquisito na escolha.
Para isso
é preciso esperar
que o futuro seja apeadeiro
o que
a acontecer
se esgota
no seu próprio pressupor.
A culpa
não morre solteira;
é consorte
dessa pesada insubstância
que é a consciência.
Um nome trespassado;
feixe atravessado
por um luar
antídoto da decadência
que investe contra a vontade
contra
o desejo de sabê-la
ausente.
Trespassado:
um nome
o meu nome
sepultura dos dias sem rosto
a ausente marca registada do medo,
um nome
esquecido.
Nome
só nome
sem matéria
sem História
ermo de futuro
um nome estilhaçado
nos precipícios vulgares
nas palavras banais
nos lugares eles sem nome.
Trespassado
pelo verrinoso coabitar
em formulários contumazes,
o cianeto da História do futuro
ah! o cianeto
com fórmula deixada por conta da desmemória.
Se em vez de nomes
houvesse danos
dolo puro e sintomático
a vingança baronesa
palácios destituídos de vidraças
e as manhãs habitadas por vultos,
talvez
os nomes fossem resgatados da hibernação
devolvidos a um sentido
conformes com os corpos a que dão expressão.
Se em vez de ser ao contrário:
nomes somos
sem correspondência com a matéria conforme
reféns de pura insubstância
agravados
pelos corredores estreitos do fingimento
trespassados,
lá está,
trespassados
pelas modas que não sabemos
serem doenças.
Se a alma não me esquece
neste tribunal de especial instância
em que minha pária condição se atesta
hei de ser credor de absolvição?
Se da alma não esqueço
cumprem-se mil costumeiros arrependimentos
antes que seja intentada a indulgência máxima
no fojo ermo onde se move a medula sísmica.
Se não for intencional o exílio da alma
hei de povoar a herança
com o nefasto odor a vazio
decretado por vultos eminentes
nos corredores de um labirinto medonho.
Se a alma não se sublevar
peticionando o irremediável meu estatuto
hei de ser suprimido do inventário geral
dissolvido na chuva ácida
do olvido.
Se à alma não disser adeus
serei
– quem sabe? –
pirata de mim mesmo
tarefeiro sem serventia
um coloquial abstinente das matérias ingentes
apenas
magma sem fundo
engenheiro sem matemática sistemática
errante
errante como me dispus
neste tabuleiro pútrido
onde têm cabimento os sequazes
os diligentes patriarcas do princípio geral da farsa
com olhos disfarçados
pele mumificada
e sua, essa alma,
sua
a alma que sua a improfícua cacofonia
de quem muito diz e pouco faz.
Nestes termos
me declaro
apátrida de alma.
Trinta dinheiros
não era a paga dos hereges;
seriam
(se a justiça fosse
mesmo
divina)
os juros devidos
pelos pagãos
por quererem um céu
e indulgências a cobrir
todo o pretérito.
Por menos
(muito menos)
houve corruptos
apanhados em falso.
E ainda protestam
os majorados embaixadores das igrejas
que são desavantajados
pela força centrífuga do hedonismo
(que as tira de moda,
às igrejas
entretanto acossadas
pelo atavismo).
Amanhecem
as cordas viúvas
no tojo que aloja o nevoeiro.
As coisas
alimentam-se, baças,
num lampejo de água.
Não se escondem,
extasiadas no seu fulgor,
na senda válida do dia madrigal.
Nem as impurezas
extinguem o verso bisonho
que espera pela caução da manhã.
Não se digam
esperanças da redenção
antes que se sitiem as palavras fortes.
Agita-se a pele
libertada dos fogos que a consomem
vertida, enfim, num capítulo maior.
As bocas carnudas
as que falam por dentro do silêncio
sabem a maresia
ou uma redução de maresia
da maresia pagã
que acompanha o caudal.
As bocas carnudas
estimam-se superiores
contra maldições
e divindades afins
na véspera do foral que autoriza
o mais fino calibre da areia
em que se estilhaça a cidade.