Não te apoquentes.
Esse é
um assunto cadente.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O eco do luar
sem as arestas
do olhar freado
combina o bramido
do verbo crepuscular.
Não são as matilhas
errantes no conduto da noite
autoras dos males sendeiros:
são os pés dos meãos
transbordando do seu vagar
agigantados
farsas que se entranham
nas veias açambarcadas
viperinas desde então.
Como se o hálito do coiote amanhecesse
por dentro dos ossos
e até o nevoeiro enraizado se calasse
ao pressentir a trovoada que se hasteia,
a suspensão do dia adiada até data conveniente.
Se houvesse um feixe de sílabas escondidas
o coiote acordado toda a noite
de atalaia
a fingir o sono
dos que suas vítimas não querem ser
fugindo dos punhais alardeados pelo coiote
enquanto a maré inteira não se torna
apenas sobrevivência.
E fogem
do dia
dos dias consecutivos
por todos serem iguais
da fala
da imodéstia
das juras atiradas sobre o passado
de um lugar que seja pertença
de um lugar qualquer
em que consigam ser outro eu
à falta de saberem estar vestidos
nos deslimites em que se terçam.
Por não ser do coiote
essa culpa
tatuada.
Da boca
trapézios em murmúrios alpinistas
uma corda gasta quase a romper-se
mesmo sobre o precipício
faróis avinhados sem pontuação
olhos apontando aos jardins desarranjados
elipses encantatórias sob efeito de morangos
um punhado de lava decadente
a grandeza também decadente
e a saudade
suada
do silêncio.
Eram ralhetes a mais
e a menina suava como se a sua infância
soasse a infância outra vez
muito embora pressentisse
que da infância sobravam
só umas memórias que não queria
avivadas.
Podia ser que esses ralhetes fossem devidos
e ela teimasse numa loucura de espírito
que era como um retardador do tempo
– vinha mesmo a jeito
se já estivesse na idade madura
e o envelhecimento começasse a doer.
Não era o caso:
a menina ainda se considerava menina
e não era só porque a tratavam tantas vezes
por menina
vá-se lá saber se por deferência
ou apenas simpatia
ou por uma mal disfarçada misoginia
que se vestira do avesso,
tão farsante.
Os ralhetes eram sempre a mais,
ajuizou a menina
que não queria ser a vítima predileta dos ralhetes
e preferia que quem os pronuncia
se abstivesse da incumbência.
Também não é menos verdade
que os ralhetes não são encomendados
por a quem eles se destinam
e que há quem tenha o incómodo de os pronunciar,
empreitada que deve ser inominável
pois ela nunca emitiu um ralhete
e adivinha que seria tremendo incómodo fazê-lo.
O mal dos ralhetes
é de quem não tem razão.
Retém o rio com as mãos
espreita entre as veias
o rumor do vulcão.
Adia a noite
o simulacro do medo
entre montanhas retorcidas.
Cobre o rosto com o luar
dita para o areal
as angústias datadas.
Acorda do pesadelo fortuito
deixa-o fermentar na podridão
e agarra-te às páginas sem cinzas.
E diz ao amanhã
em segredo fechado por todas as chaves
que já o tratas por tu.
Melhor será não frequentar ginásios
para largas as costas não ficarem
com todo o peso da culpa
nelas arqueado.
A semântica
tem as costas largas.
Os figurões
dizem que dizem
e depois desdizem
para no terceiro episódio
desdizerem o que tinham desdito
sem que voltem ao estado primitivo
de quem disse o que disse.
E os figurões
alardeiam o enfado
de quem é posto à prova
como se fosse crime
e de lesa-majestade
remexer na podridão
por suas excelências segregada.
Como clausura do assunto
endossam a fatura
à semântica.
Pobre semântica.
Estou admirado:
ainda
nenhum tutor da superioridade moral
se cruzou com
cruzes,
canhoto.
Não sei se ouvem
as vozes que se convocam
para o que houve no futuro.
Por dentro dos bolsos
um terrível nada
feito de um amontoado de pessoas
a mais improvável véspera que se encena
no fingimento dos paradoxos.
Não sei
se de mim houve
bondade;
participo as fragilidades
que de mim deixam um retrato nu:
dessa nudez que é embaraço
procuro cortinas baças,
que não se veja para dentro.
Arranco às notícias
sob tortura (se preciso for)
as mentiras que contam.
Não preciso dessas mentiras
– ainda por cima
não são piedosas.
Não preciso
de um disfarce a cobrir o mundo.
E talvez também seja dispensável
a cortina baça
que esconde a minha nudez.
Reinvenção do dicionário:
um contratempo
vai contra o tempo
tem de ser
a medida do seu adiamento.
Erva daninha roçada pelos pés envidraçados
e areias movediças ultrapassadas ao entardecer
a vizinhança que fala em maiúsculas
e um leilão que merca arrependimentos
até
que sobra um nada só igualável
ao maior dos desertos.
Nisto
um escafandro
e a noção de exílio com nome de flor
que as gravatas às cornucópias
e um bando de calvos que mentem
até com os dentes que deixaram de ter
não tem maresia entre os pesadelos.