Eram ralhetes a mais
e a menina suava como se a sua infância
soasse a infância outra vez
muito embora pressentisse
que da infância sobravam
só umas memórias que não queria
avivadas.
Podia ser que esses ralhetes fossem devidos
e ela teimasse numa loucura de espírito
que era como um retardador do tempo
– vinha mesmo a jeito
se já estivesse na idade madura
e o envelhecimento começasse a doer.
Não era o caso:
a menina ainda se considerava menina
e não era só porque a tratavam tantas vezes
por menina
vá-se lá saber se por deferência
ou apenas simpatia
ou por uma mal disfarçada misoginia
que se vestira do avesso,
tão farsante.
Os ralhetes eram sempre a mais,
ajuizou a menina
que não queria ser a vítima predileta dos ralhetes
e preferia que quem os pronuncia
se abstivesse da incumbência.
Também não é menos verdade
que os ralhetes não são encomendados
por a quem eles se destinam
e que há quem tenha o incómodo de os pronunciar,
empreitada que deve ser inominável
pois ela nunca emitiu um ralhete
e adivinha que seria tremendo incómodo fazê-lo.
O mal dos ralhetes
é de quem não tem razão.