Se não forem as cortinas
é a paisagem de peito aberto
dolorosamente capilar.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Tiraram as dioptrias
às entranhas possivelmente podres
de um punhado de mandantes.
Depois,
ligaram as sinapses
para logo estimarem
o pecadilho com perna curta
entre o lodo em que vicejam
e as ausentes lições de ética
(como não, de sim ter começado
por Aristóteles).
Só que este é um lugar dezembro
não se organizam funerais políticos
que a casta adeja sobre as leis
e arrota ostensivamente
contra o prelúdio da ética.
Em vez
de se arrotear um janeiro reparador
iremos em velocidade de cruzeiro
a caminho de um dezembro renovado.
A culpa
ao contrário do que por aí se diz,
só morte solteira
se nos formos seus cúmplices.
(Post scriptum: tendo sido escrito antes da demissão de um primeiro-ministro, fica por reconhecer que foi extemporâneo o poema.)
Nos despojos
a tutela da tempestade
o árido silêncio do medo
ou apenas
a exaltação dos elementos
um aval da imoderação
em sucessivas marés-mais-que-vivas
ou o beijo da morte
disfarçado de beleza incontinente
e nós,
colhidos pelo feitiço,
juntamos à tela
a gramática do exagero
o fingimento do medo
a atribulada desconfiança da matéria
contra as juras dos mastins
contra a indelével marca do tempo
os escombros esculpidos na maresia
em farsas atestadas pelos artesãos.
Não anotamos o vocabulário
que de tanto uso
se extingue.
Deixamos
que o medo soluce
convulsivo
como se fosse
o seu próprio medo
e metemos pelo meio o arnês
o fiel depositário dos outros.
Os pais das tempestades
são aqueles que as batizam
com nome de gente.
Assobiavam
todos aperaltados
os embaixadores enfatuados
o idioma franco balbuciado
à medida dos vermutes bebericados.
Apareceu uma quadrilha
a caminho de um assalto.
Ficaram todos
(embaixadores e meliantes)
com o movimento entre parêntesis.
Caiu uma chuvada torrencial
e todos se refugiaram
numa paragem do autocarro.
Horas depois
um dos meliantes deu pela falta
de uns diamantes desviados ao legítimo.
Lembrou-se
do estalão da divina justiça
e de um perdão de mil anos
amaldiçoando a chuva que torrencial
caiu.
Continência ao general
que o general é incontinente.
Potência ao general
que o general é impotente.
Pela hora da morte.
Pela
a hora da morte.
Apela à hora
da morte.
Há hora da morte.
Corsários que deixam o mar suado
cruzados que sobem as árvores imodestas
sacerdotes que sepultam o pecado
artesãos descuidados com o véu lúcido
eruditos a estagiar numa taberna viciosa
beligerantes castrados nas desoras da vida
aspirantes demitidos no ato
cozinheiros que devolvem segredos ao mar
procuradores sem mandato desovado
mecenas sem latitude material
tiranetes condenados à solidão
cúmplices adestrados no contorcionismo
estetas mergulhados na feiura
vozes que se servem do silêncio
boémios extasiados com a manhã baça
mendigos amesendados em hotéis superiores
capitalistas a provarem a suína fatiota
ácaros militantes que dispensam o labor
treinadores de almas que empenham o unto réptil
distraídos a beberem o dia pelo artelho da bota
primeiros-ministros que parecem quintos
rececionistas que mendigam bondade
avarentos que escondem gorjetas puídas
sonhadores que apanham um avião intercontinental
generais que fazem a incontinência.
Que acordamos dizer
na estiva da maré
– que palavras
juntamos com as mãos
à servidão de que nos isentamos?
Dei sementes ao lago furtivo
os nenúfares atravessavam a margem
e do idílico fazia novelos em forma de luar.
De cada vez que o cimento pedia corda
regressava aos atávicos humores
os costumes esconjurados
em meia página de sono.
Depois
em aldeolas erráticas
subia o pulso fraco e fazia-me cordilheira
um anjo sem coroa nem domínio
fogo haurido no pedestal das vozes híbridas.
Se não pudesse saber a manhã das palavras
fugia de mim por dentro da carne tingida
o dorso curvado nas escadas desarrumadas
como se em bocejos se contivessem
as juras que dão cor ao mundo.
Todavia
as bandeiras avulsas sossegavam a mentira:
era preciso contar mentiras
até às próprias mentiras
em nome próprio ou na procuração arregaçada
para que ninguém fique em detrimento
para que ninguém
ficasse em dívida à mentira
e ela seja o trono que a todos democratiza.
Não se foge da penumbra altiva
os estilhaços advertem os sobressaltos
em contínuo
na miragem das palavras acertadas:
desenganem-se
os colonos do amanhã
os feitores de quimeras por empunhar
os embaixadores do obsoleto
os párias que perderam povoamento:
o amanhã espera a conjugação atempada
e será a vez dos apocalipses verem desmentida
a data.
Em vez de sermos
exílio por fora.
Antes de sermos
matéria puída
no avesso do tempo.
A tempo de sermos
alguém
depois dos fantasmas.
É este o desatino
que me alicerça
este
o destino
em forma de barca
por onde me retiro
do abismo convocado.
Este
o areal tingido
pelos vultos dos náufragos
o imaterial testemunho
de uma vida vindoura.
É neste mar
que me antecipo
ao passado
em esgrima com o grotesco
o arsenal sem marca
que merca as cicatrizes
embalsamadas.
Este
o mar minha morada
o largo espelho de vozes
um sufrágio inteiro de equívocos
o arrependimento disfarçado.
Um favor
aos militantes do não casamento:
desposar é fronteiro a despojar.