Não há alternativa
à alternativa,
há alternativa.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Há personagens
que parecem paridas
de dentro de matrioskas.
Uma eructa
desmultiplica-se em dois
desdobra-se em quarto
em oito, em dezasseis;
até estarmos
cercados.
Um pesadelo é fruta viva
ao pé da matrioska parideira.
O atraso civilizacional
é que ninguém descobriu a cura
das matrioskas que não param de parir.
Abaixo as matrioskas
ocas.
Sejamos simpáticos:
não é por ser um escarro
que se destina aos escombros
quem dessas palavras proclama.
A desinfestação
tem de ser por igual
sem discriminações.
Sejamos compreensivos:
a impossibilidade da tolerância
seria uma mácula a abater-se
e precisamos de saber o que é um escarro
(para dele nos apartarmos).
O ferro forjado
curva a carne do tempo
atesta o braço imorredoiro
do mar sólido que não tem maré.
Papagaios famintos repetem estrofes
sereias sem dote aproveitam-se da maré
um meteorologista angustiado jura o medo
a maresia subleva-se contra a manhã timorata.
Distantes cangurus bolçam intoxicações
bombeiros insones passeiam a farda encardida
generais covardes fogem das más companhias
gatos que deixam de ser vadios miam por companhia.
Candidatos à indiferença erram na estação
autodidatas dispensam livros para a ciência
tutores de costumes adiam arsenais corrompidos
cultores amoedados rapam arrogância de bolsos.
Ativistas amestrados perdem-se no labirinto
narizes narram aranhas e espirram alergias
almirantes esposados pela ira posam urros
as boas maneiras ficaram à porta dos estultos.
A infâmia
não nos persegue
não se faz nome nosso
não nos culpa
por uma gramática mendaz.
Tiramos uma carta ao acaso
os dados são atirados para a cratera
movemos a torre para a frente do bispo
sabemos onde está o sortilégio
só não sabemos como o podemos domar.
É a meã condição
o confisco do ser?
É a dependência do vício
em sucessivas voltas olímpicas,
o campanário da decadência?
Arrastamos a página ensombrada
e não resistimos ao seu caudal.
Oxalá houvesse dentro de nós
uma represa
e não fossem vícios
ou infâmias
a colonizar os dias eleitos.
Os degraus
intermináveis.
Esconjuro
quem se rege
pela finitude.
Pressinto
que a escada oferece
outro lanço de degraus
assim que toco
a cumeada.
Somos
o nosso próprio
marco geodésico.
Pensava
que tinha o pensamento
forrado a algemas.
Houvesse
quem desarmadilhasse
o pensamento.
Que de estouvado
tivesse todos os lugares
em vez de ser daninho
e privado de matéria.
Queria
a certa altura
um pensamento
virado do avesso.
As cores
trocadas;
dicionários
só os errantes;
divergências
todas
e mais algumas;
e lugares novos
que o pensamento
precisava
de aprender
a pensar
de novo.
O pensamento
reuniu o espólio
e pensou
que o inventário
tem mais de despensamento.
Afinal
o pensamento
só queria hibernação
uma cadeira puída
onde pudesse ser estilhaço
ou uma parede
que não estivesse por caiar
uma tela
à prova
de preces
como se enviuvasse
e passasse à reforma
mera curiosidade arqueológica
sem chegar a ser
sequer
nota de rodapé.
Não queria ser
a não ser
nostalgia de um conto futuro
lápide pendida sobre os cotovelos
um regaço inteiro
por habitar.
Frequentar bibliotecas
passou a ser
uma atividade arriscada:
ninguém agora pode confessar
que foi à biblioteca tirar notas.
O efeito balsâmico
de trespassar a fronteira
e saber
que é uma hora mais cedo
de saber
que fiquei uma hora mais novo.
Haveríamos
de ter inveja
da onça
tantos os amigos
que ela
tem.
[Sobretudo um certo primeiro-ministro com prazo de validade acertado]
O pé
de semear.
O pé
de cabra.
O pé
de microfone.
Nada
é por
acaso
(se
interessa
para o
caso).
Os dentes do avesso:
congeminava a rebelião
tardia
a impensável bochecha que o devir
escondia;
se fosse pelas espadas travadas
os arrevesados procuradores
em vez da estultícia
seriam devotos de ingénuos oráculos,
que a demanda do futuro
não é de ficar ao pé de semear.
Mais logo
(jurou)
cobro aos anjos disfarçados
a tença correspondente
e entrego-me
incondicionalmente
à boémia
o meu corpo como se fosse doado
sem ser à ciência.
De um jornal:
“Mata homem por dívida com 27 anos”.
E fiquei sem perceber
se era a dívida,
ou o morto,
que tinha 27 anos?
O sangue confundia-se com lágrimas.
Os derrames vertiam cicatrizes
a pele era asfaltada
por tatuagens involuntárias.
Há quem solte o freio da angústia:
não sabem
ou não admitem
que a angústia
não é tão imediatamente involuntária
como as tatuagens herdadas de cicatrizes.
Despojam-se
como se dessem autoridade à comiseração
e precisassem da tutela dos apiedados
para baixarem a temperatura da angústia
sem tomarem conta do periscópio
que previne que se deslacem do exterior.
Afocinham
numa mistura putrefeita
de sangue e lágrimas
e adiam o cais metodicamente generoso
que pavimenta a dança sem regras que precisam
para não serem reféns
dos seus próprios ardis.