A burla
trouxe sal para os olhos
dos burlados.
Mal deram conta do burlão
os heróis encapotados
assobiaram para a lua,
que estava magnífica
a lua.
O burlão correu os quatrocentos metros
em tempo pré-olímpico
não contava com uma barreira
quando desfez uma esquina
e foi a esquina
com a ajuda da barreira
que o desfez.
Ficou estatelado
queixava-se de dores lancinantes
talvez tivesse uma ou duas fraturas
ou então
eram
(diria o povo tão obediente aos costumes)
as dores de consciência
da malvada da consciência.
Apurada a presença da polícia
os oficiais de serviço não escondiam o enfado:
tiveram de interromper o jantar
e as cervejas nem a meio iam
agora vão ficar mornas e imprestáveis.
Os oficiais de serviço
chegaram em câmara lenta
e, com denodo e elevado sentido de solenidade
(ou, chamemos-lhe: complexo de farda),
prenderam o meliante
porque a ambulância chegou mais tarde
(os paramédicos não interromperam o jantar
e ainda por cima dava na televisão
o Vitória de Setúbal).
O burlão contorcia-se em dores
e o povo mesquinho
partidário do olho-por-olho-dente-por-dente
dizia com os pulmões inteiros
“é bem feito, seu pulha, é bem feito”.
Para crónica dos bons costumes
não está nada mal
anuiu o observador imparcial.