4.3.24

Crónica dos bons costumes

A burla 

trouxe sal para os olhos

dos burlados.

Mal deram conta do burlão

os heróis encapotados

assobiaram para a lua,

que estava magnífica

a lua.

O burlão correu os quatrocentos metros

em tempo pré-olímpico

não contava com uma barreira 

quando desfez uma esquina

e foi a esquina 

com a ajuda da barreira

que o desfez.

Ficou estatelado

queixava-se de dores lancinantes

talvez tivesse uma ou duas fraturas

ou então

eram 

(diria o povo tão obediente aos costumes)

as dores de consciência

da malvada da consciência.

Apurada a presença da polícia

os oficiais de serviço não escondiam o enfado:

tiveram de interromper o jantar

e as cervejas nem a meio iam

agora vão ficar mornas e imprestáveis.

Os oficiais de serviço

chegaram em câmara lenta

e, com denodo e elevado sentido de solenidade 

(ou, chamemos-lhe: complexo de farda),

prenderam o meliante

porque a ambulância chegou mais tarde

(os paramédicos não interromperam o jantar

e ainda por cima dava na televisão

o Vitória de Setúbal).

O burlão contorcia-se em dores

e o povo mesquinho

partidário do olho-por-olho-dente-por-dente

dizia com os pulmões inteiros

“é bem feito, seu pulha, é bem feito”.

 

Para crónica dos bons costumes

não está nada mal

anuiu o observador imparcial.

Sem comentários: