É mesmo verdade
que a mãe do rato
é a montanha
e que Maomé é tão importante
que até a montanha veio até ele?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
É mesmo verdade
que a mãe do rato
é a montanha
e que Maomé é tão importante
que até a montanha veio até ele?
Deve ter a mania das grandezas
a nódoa
para se derramar no melhor pano.
Desliga o motor da desconfiança
lê os sinais de fumo do luar
a malapata é uma farsa sem provérbio.
Alimenta os obesos de ideias
terça o verbo afiado
contra os estetas de dietas cruéis.
Canta por dentro do átrio
até os versos distorcidos
na paleta onde se esconde o vulcão.
Não te dês aos talhos
foge dos punhais debruados a injúria
e admite os cães gastos no jardim recuado.
E se dormires no sopé da tarde
que sejam almirantes os sonhos
e não alucinações destemperadas.
As palavras todas fatiadas, todas janotas,
juntam-se à sede dos equinócios
e tudo soma um arroz que não deve a Baco.
Antes que o convés te arranque da letargia
as horas gastas sem paradeiro
a música cercando-te por todos os poros.
Está é a estultícia dos fracos
a forca onde são decepados
o sangue a esmo na estimativa dos segredos.
Até que do novo sejas arcano
e no olhar gasto te assenhoreies
das estrofes onde se embelezam os nomes.
Mnemónica para os conservadores:
lavrar em ata
a intendência
do Ministério Púdico.
Em desacordo
com fontes mal informadas
o dia um de abril
já não é os outros dias do ano.
A praça descansa no litoral da tarde
com o leve desassossego
de estudantes boémios
e a proverbial charla
entre os comerciantes vizinhos.
Antes que seja noite
antes que os estabelecimentos hibernem
deixando de fora a musculatura mercantil
que fica de véspera à espera
da ossatura dos clientes.
Nessa altura
a praça ganha direito ao exílio
os ladrilhos voltam a ser obra de arte
então sem ser agredida
pelo calçado dos utentes.
Da noite
a praça só tem o testemunho
do silêncio
que rima com a solidão
e não se importa com a descompanhia.
Desconfio
que o XXXI governo constitucional
vai apanhar com um 31 colossal.
As rodas-vivas
só para contrariar a morte
espelhos que avivam as cores
delas fazem disfarces propositados
um galanteio à estética em forma de verso
ou apenas
um logro
para manter a anestesia geral
em forma de letargia.
O que seria de uma roda-viva
se fosse atirada
para o poço da morte?
Mecenas autorizados
esclarecem
o sentido da vida:
é como uma levedura
empolada na fermentação
frouxa quando esfria
à saída do forno.
Os luditas
mergulham nas profundezas das farsas
encolhem a noite
para não serem seres inanimados
e se os idiomas párias estremecem em pesadelos
é porque deixaram aos demónios
a curadoria dos dias
espaçados entre as cortinas
que se agitam no caudal do entardecer.
As guitarras arranham um som descolorido
arrematam as sílabas furibundas
e na melhor escotilha
sem esperar pelo rastilho
os homens aturdidos recolhem o arco-íris
levantam com as mãos a âncora funda
só para deixarem
um envelope com versos
pois não acreditam
no fado de garrafas deitadas borda fora.
Ninguém sabe o paradeiro das marés.
Ninguém se sequestra no convés ermo.
As muralhas do medo não se escondem
não se agigantam
no perdido movimento banal
dos amantes do estertor
dos sibilinos generais dos arsenais
desarmados.
Leve o vento
que te leva
entre as levas
que levitam.
Leva o vento
antes que em ti leve
o vento te leve
e não te subleves.
Lava o vento leve
que atira a lava
a favor da leva
que se levanta.
O casario sobe a colina
no seu dorso o açaime do silêncio
o refúgio das casas habitadas
todas aquelas vidas sem nome
anónimas
como a parte do rio feita de urina desaguada.
Não são segredos que se desembaraçam
na coutada das mãos arrefecidas
é a maresia arrancada ao mar amaciado
o remorso tingido de medo
na sepultura avivada que entontece
no divã do futuro desalinhado.
Os olhos são como idiomas
juntam-se à pele amanhecida
no cofre das sílabas desenhadas
com o ouro da língua.
Os versos
não são sobre os moradores
ou o lugarejo com as casas como presépios.
Os versos
não são sobre a perfeição confecionada
ao anoitecer
pela coreografia de corpos sem número
ou do desejo que fora feito património.
Os versos
são um feixe de luzes combustíveis
que irradiam no céu avulso
deixando o chão ornamentado
pelas vozes litorais
em cores arrancadas ao siso.
As rosas sangram o carvão fervido
desencontradas do vulcão amordaçado
procuram nas raízes a água módica.
Sangram a lava messiânica
dançando no viés das nuvens
enquanto há precipício para amar.
Lava o chão puído
a lava debitada da boca irreparável
no freio solto da língua aferroada.
Do chão falam os sepultados
o idioma tartamudeado entre vírgulas
dado ao suor noturno em vez de pesadelo.
Não houve elegia no planalto varrido a vento
os dedos cruzados suplicam cores extasiadas
e dos rostos intactos sobram áleas cumpridas.
O socalco esculpido deita-se no ocaso
as arcadas da noite quase juradas
no mercadejar silencioso dos artífices.
As contas que nunca são feitas
na conspiração de anónimos zeladores
deixam órfãs as dádivas sem manhã procuradora.
Joga-se com o caos
à espera
do idioma da vingança
e ninguém repara
que o caos pode encomendar
a vingança
como paga da usura.
As asas sentadas no devaneio
conspiram com as nuvens:
doces são as horas a seguir
não o mosto arrancado ao torpor.
Jorro
num jato
a jactância
e não cubro
nem cobro
o cobre acabrunhado.
Luto
pelo luto
num lugar
em que medram
mortos em profecia
dos marcos finitos.
Enceno
sem seno
o sino sentinela
depois do sono
sonso.
Mondo
o mando métrico
sem mando
o monstro mancebo.
Calço
o calço que cansa
na calça camba
que coça a cedilha.
Um penso
no que penso
para não ter de pesar
o peso apenso.
O objeto imóvel
espera
na paciência enferrujada
ou
imerso em ciência imponderável
contra a matilha enfastiada
atirando as pedras angulares.
Sonha
com a de agência dos visionários
sonha
enquanto, imóvel,
anoitece no sono.