23.4.24

Injustiças indocumentadas (339)

É mesmo verdade

que a mãe do rato

é a montanha

e que Maomé é tão importante

que até a montanha veio até ele?

Injustiças indocumentadas (338)

Deve ter a mania das grandezas

a nódoa 

para se derramar no melhor pano.

#3131

Sonhou a farsa

e não era palco,

a divisa fraca

por conta própria.

22.4.24

Microscópio

Desliga o motor da desconfiança

lê os sinais de fumo do luar

a malapata é uma farsa sem provérbio. 

 

Alimenta os obesos de ideias

terça o verbo afiado

contra os estetas de dietas cruéis. 

 

Canta por dentro do átrio

até os versos distorcidos

na paleta onde se esconde o vulcão. 

 

Não te dês aos talhos 

foge dos punhais debruados a injúria

e admite os cães gastos no jardim recuado. 

 

E se dormires no sopé da tarde

que sejam almirantes os sonhos 

e não alucinações destemperadas. 

 

As palavras todas fatiadas, todas janotas,

juntam-se à sede dos equinócios

e tudo soma um arroz que não deve a Baco. 

 

Antes que o convés te arranque da letargia

as horas gastas sem paradeiro

a música cercando-te por todos os poros. 

 

Está é a estultícia dos fracos

a forca onde são decepados

o sangue a esmo na estimativa dos segredos. 

 

Até que do novo sejas arcano

e no olhar gasto te assenhoreies

das estrofes onde se embelezam os nomes.

Injustiças indocumentadas (337)

Mnemónica para os conservadores:

lavrar em ata

a intendência

do Ministério Púdico.

#3130

Vermelho

o céu incandescente

a vela do entardecer.

21.4.24

Injustiças indocumentadas (336)

Em desacordo

com fontes mal informadas

o dia um de abril

já não é os outros dias do ano.

#3129

Servi 

o verbo ambulante

a monotonia 

tira-me do sério.

20.4.24

#3128

O mundo

está a precisar

de um sedativo

para se esquecer

que existe.

19.4.24

Praça do silêncio

A praça descansa no litoral da tarde

com o leve desassossego 

de estudantes boémios

e a proverbial charla 

entre os comerciantes vizinhos. 

Antes que seja noite

antes que os estabelecimentos hibernem

deixando de fora a musculatura mercantil

que fica de véspera à espera

da ossatura dos clientes. 

Nessa altura

a praça ganha direito ao exílio

os ladrilhos voltam a ser obra de arte

então sem ser agredida 

pelo calçado dos utentes. 

Da noite

a praça só tem o testemunho

do silêncio

que rima com a solidão

e não se importa com a descompanhia.

Injustiças indocumentadas (335)

Desconfio

que o XXXI governo constitucional

vai apanhar com um 31 colossal.

Injustiças indocumentadas (334)

Dar uma mão

ou duas,

mas não mais.

#3127

Era ainda

muito manhã.

O silêncio,

o idioma.

18.4.24

Radicalismo

As rodas-vivas

só para contrariar a morte

espelhos que avivam as cores

delas fazem disfarces propositados

um galanteio à estética em forma de verso

ou apenas 

um logro

para manter a anestesia geral

em forma de letargia. 

 

O que seria de uma roda-viva

se fosse atirada 

para o poço da morte?

 

Mecenas autorizados

esclarecem

o sentido da vida:

é como uma levedura

empolada na fermentação

frouxa quando esfria

à saída do forno. 

 

Os luditas 

mergulham nas profundezas das farsas

encolhem a noite 

para não serem seres inanimados

e se os idiomas párias estremecem em pesadelos

é porque deixaram aos demónios 

a curadoria dos dias

espaçados entre as cortinas 

que se agitam no caudal do entardecer. 

 

As guitarras arranham um som descolorido

arrematam as sílabas furibundas

e na melhor escotilha

sem esperar pelo rastilho

os homens aturdidos recolhem o arco-íris 

levantam com as mãos a âncora funda

só para deixarem 

um envelope com versos

pois não acreditam 

no fado de garrafas deitadas borda fora. 

 

Ninguém sabe o paradeiro das marés. 

Ninguém se sequestra no convés ermo. 

As muralhas do medo não se escondem

não se agigantam 

no perdido movimento banal

dos amantes do estertor

dos sibilinos generais dos arsenais 

desarmados. 

Injustiças indocumentadas (333)

Troca-tintas,

as cores

estavam do avesso.

#3126

Disse

o não-dito,

no refúgio

da inverdade.

17.4.24

Desacontecimento

Leve o vento

que te leva

entre as levas

que levitam.

 

Leva o vento

antes que em ti leve

o vento te leve

e não te subleves.

 

Lava o vento leve

que atira a lava

a favor da leva 

que se levanta.

#3125

Não imaginas

o que a imaginação

imagina por ti.

16.4.24

Interrupção

O casario sobe a colina

no seu dorso o açaime do silêncio

o refúgio das casas habitadas

todas aquelas vidas sem nome

anónimas

como a parte do rio feita de urina desaguada. 

 

Não são segredos que se desembaraçam

na coutada das mãos arrefecidas

é a maresia arrancada ao mar amaciado

o remorso tingido de medo

na sepultura avivada que entontece

no divã do futuro desalinhado. 

 

Os olhos são como idiomas

juntam-se à pele amanhecida

no cofre das sílabas desenhadas

com o ouro da língua. 

 

Os versos

não são sobre os moradores

ou o lugarejo com as casas como presépios. 

 

Os versos

não são sobre a perfeição confecionada

ao anoitecer

pela coreografia de corpos sem número

ou do desejo que fora feito património. 

 

Os versos

são um feixe de luzes combustíveis

que irradiam no céu avulso

deixando o chão ornamentado

pelas vozes litorais

em cores arrancadas ao siso.

#3124

O chapéu sem sol

adormece 

na litania de um pesadelo.

15.4.24

Assanhado

As rosas sangram o carvão fervido

desencontradas do vulcão amordaçado

procuram nas raízes a água módica. 

 

Sangram a lava messiânica

dançando no viés das nuvens

enquanto há precipício para amar. 

 

Lava o chão puído

a lava debitada da boca irreparável

no freio solto da língua aferroada. 

 

Do chão falam os sepultados

o idioma tartamudeado entre vírgulas

dado ao suor noturno em vez de pesadelo. 

 

Não houve elegia no planalto varrido a vento

os dedos cruzados suplicam cores extasiadas

e dos rostos intactos sobram áleas cumpridas. 

 

O socalco esculpido deita-se no ocaso

as arcadas da noite quase juradas

no mercadejar silencioso dos artífices. 

 

As contas que nunca são feitas

na conspiração de anónimos zeladores

deixam órfãs as dádivas sem manhã procuradora.

Injustiças indocumentadas (332)

As cartas

em cima da mesa

ou em temporada no correio?

#3123

O mar

entre o seu murmúrio

e o segredo condimentado

guardado no peito dormente.

14.4.24

Roll the dice

Joga-se com o caos

à espera 

do idioma da vingança

e ninguém repara

que o caos pode encomendar

a vingança 

como paga da usura. 

#3122

Arrefece

no sangue solene

a bala ao acaso,

o paradeiro incerto.

Injustiças indocumentadas (331)

Beco,

com saída.

 

[Vigília]

13.4.24

#3121

As asas sentadas no devaneio

conspiram com as nuvens:

doces são as horas a seguir

não o mosto arrancado ao torpor.

12.4.24

Baldio

Jorro

num jato

a jactância

e não cubro

nem cobro

o cobre acabrunhado. 

Luto

pelo luto

num lugar

em que medram

mortos em profecia

dos marcos finitos. 

Enceno

sem seno

o sino sentinela

depois do sono

sonso. 

Mondo

o mando métrico

sem mando

o monstro mancebo. 

Calço

o calço que cansa

na calça camba

que coça a cedilha. 

Um penso

no que penso

para não ter de pesar

o peso apenso.

#3120

O carrossel desfalece

no crepúsculo diuturno

arrumando a sombra capataz.

11.4.24

Sem as asas de um anjo

O objeto imóvel

espera

na paciência enferrujada

ou 

imerso em ciência imponderável

contra a matilha enfastiada

atirando as pedras angulares.

 

Sonha 

com a de agência dos visionários

sonha

enquanto, imóvel, 

anoitece no sono.