15.6.24

#3183

Dançamos na margem

sentados sobre a opulência

de um atlas que desenhamos 

com as mãos.

14.6.24

Injustiças indocumentadas (375)

Um fundo

no fundo

ninguém sabe

o que no fundo é.

Injustiças indocumentadas (374)

Mata-se as saudades 

e ninguém paga o crime 

com prisão.

#3182

Sente-se 

à distância 

o uivo doloroso 

dos soldados.

13.6.24

Arestas demasiado limadas

Da última vez 

que limei arestas

os dedos ficaram puídos.

 

Agora 

deixo a função 

em hasta pública

e as mãos voltaram a ser 

santuário.

 

Agora

as arestas

já não me incomodam

e todas as formas me parecem

a perfeição de sólidos 

sem arestas.

 

Nem que seja

só por fingimento

uma liga metálica a dar consistência

ao desejo de ilusão.

Injustiças indocumentadas (373)

É desta 

que viro à esquerda(?):

 

the left is right

the right is (being) left.

#3181

O que fazer

com estas mãos 

contrabandeadas?

12.6.24

A noite clara

Emancipados da noite 

no solstício do Norte 

concebemos as palavras 

na assembleia 

onde se terça a cortesia. 

A noite extinta 

devolve a saudade do sono 

o sangue convulsivo acelera 

na máscara do Verão abreviado. 

 

Ficou por responder a pergunta 

sobre o efeito curativo 

da noite que não desterra a claridade.

Injustiças indocumentadas (372)

O testa-de-ferro

é o que tem a cabeça dura.

#3180

No úbere das ideias 

vencem as que se perdem 

no atraso do tempo.

11.6.24

Reminiscência

Amanheço no luar estático

apuro o jeito distraído

como se estivéssemos

estremunhados. 

Ajeito o sono antecipado

para o deixar em ebulição contínua:

nunca se sabe

se a lua adormece

e com ela serei refém de Morfeu

 

(de acordo com os sábios

temos um incorrigível défice de sono).

 

As horas mal dormidas

pressentem

as horas mal amparadas:

ele há hemisférios gémeos

não separados à nascença. 

Se for para devanear

prossigo lateral ao rio

um caudal cheio com disparates averbados. 

Uma correria

acompanhar este caudaloso rio

que não se esconde nas fendas subterrâneas

nem conspira com os estetas da moral. 

Se houvesse ao menos

uma leve desconfiança

uma metódica desconfiança

as conspirações deixavam de ser 

o verbo centrípeto

o lúgubre casario entulhado de esqueletos

a farsa sem nome completo

as facas puídas com todo o sangue extinto

a tropa circense que faz peito

um anátema contínuo em forma de fingimento. 

Não seríamos a matéria vã;

não seríamos

matéria,

ponto.

Injustiças indocumentadas (371)

Se noves fora nada:

que serventia tem

a prova dos nove?

#3179

Fui incendiário:

sobre o gelo acasmurrado

verti o calor do meu hálito.

Injustiças indocumentadas (370)

As revoluções

foram anestesiadas.

10.6.24

Longitudinal

Ainda não

afogo os instintos

hesito

o dia errado em flor

e eu

refém do quê

involuntário do saber

meço as peças do arrependimento

só para me arrepender

do arrependimento. 

 

Cultivo o olhar desembaraçado

as póvoas desabitadas

em mapas graníticos 

que rompem as serranias

cavando os caudais

os juros colhidos dias depois

na lhaneza de uma torneira franqueada.

 

Invisto no imprevisto 

abraço o arnês lasso

fautor de conspirações

dissipado no atestado

mentor do impudor:

o invariável coturno soturno

por falta de arrumação

por falta

de desconfiança.

#3178

A cortina desejada

o biombo necessário;

o olhar defendido 

dos males avulsos.

Desmaterialização

Porque

no dia após

todas aquelas pessoas

deixam de existir.

9.6.24

#3177

Cento e dez metros 

barreiras 

não é coisa de se 

fiar.

8.6.24

Isometria

Ele há gente,

muita gente

e gente muito gente.

E eu

astrónomo amador

capataz das minhas próprias

fragilidades

não auguro grande diferença.

#3176

De sentido itinerante 

a palavra entranhada 

de metáforas.

7.6.24

#3175

Ama o mundo,

o movimento centrífugo

do teu passar.

6.6.24

#3174

Estes 

os nomes oxidados 

embaciam as páginas do dia.

5.6.24

Injustiças indocumentadas (369)

Ninguém fala

de fazer 

figuras alegres.

#3173

Um arnês 

à volta do sangue 

para travar garraiadas 

um arnês que aperta a jugular.

4.6.24

Injustiças indocumentadas (368)

Enterra

o ente que erra

em terra

e faz “enter”

antes que se desenterre.

Injustiças indocumentadas (367)

Têm a certeza 

que as pérolas gostam 

de porcos?

#3172

Milagre condicional 

o adiamento sem mecenas 

que calça a pele ainda válida.

3.6.24

Espartano

É o mel contínuo

a boca sem contraste

a medalha de mau comportamento;

 

a mediania,

sim, a mediania,

oh lacustre imponderabilidade

que nos entranha o ADN de nenúfares:

 

essa 

tanta 

fragilidade;

 

o frugal desejo desmatado

pólvora humedecida pelo orvalho fundeado

e lá longe

o coaxar das rãs e o sibilo dos pássaros:

 

a gramática da noite ausente.

 

De

tanta

a fragilidade

junta:

 

as mãos ermas

polvilhando as florestas robustas

desmentindo os arquitetos serviçais

no provérbio sem formatura

que testa 

as paredes de vidro.

#3171

Viva, 

a roda roda

na viva voragem

da vida.

2.6.24

Biblioteca

De cada vez que atiras a mão

as lágrimas amotinadas retesam-se

como se as estradas perdessem as curvas

e de um pesar militante 

se fizesse silêncio.

 

De cada vez que recolhes a mão

o labirinto aperta a jugular

dissolve a voz prometida

e as danças amestradas sobem aos dedos

só para calarem o silêncio.