Dançamos na margem
sentados sobre a opulência
de um atlas que desenhamos
com as mãos.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Da última vez
que limei arestas
os dedos ficaram puídos.
Agora
deixo a função
em hasta pública
e as mãos voltaram a ser
santuário.
Agora
as arestas
já não me incomodam
e todas as formas me parecem
a perfeição de sólidos
sem arestas.
Nem que seja
só por fingimento
uma liga metálica a dar consistência
ao desejo de ilusão.
É desta
que viro à esquerda(?):
the left is right
the right is (being) left.
Emancipados da noite
no solstício do Norte
concebemos as palavras
na assembleia
onde se terça a cortesia.
A noite extinta
devolve a saudade do sono
o sangue convulsivo acelera
na máscara do Verão abreviado.
Ficou por responder a pergunta
sobre o efeito curativo
da noite que não desterra a claridade.
Amanheço no luar estático
apuro o jeito distraído
como se estivéssemos
estremunhados.
Ajeito o sono antecipado
para o deixar em ebulição contínua:
nunca se sabe
se a lua adormece
e com ela serei refém de Morfeu
(de acordo com os sábios
temos um incorrigível défice de sono).
As horas mal dormidas
pressentem
as horas mal amparadas:
ele há hemisférios gémeos
não separados à nascença.
Se for para devanear
prossigo lateral ao rio
um caudal cheio com disparates averbados.
Uma correria
acompanhar este caudaloso rio
que não se esconde nas fendas subterrâneas
nem conspira com os estetas da moral.
Se houvesse ao menos
uma leve desconfiança
uma metódica desconfiança
as conspirações deixavam de ser
o verbo centrípeto
o lúgubre casario entulhado de esqueletos
a farsa sem nome completo
as facas puídas com todo o sangue extinto
a tropa circense que faz peito
um anátema contínuo em forma de fingimento.
Não seríamos a matéria vã;
não seríamos
matéria,
ponto.
Ainda não
afogo os instintos
hesito
o dia errado em flor
e eu
refém do quê
involuntário do saber
meço as peças do arrependimento
só para me arrepender
do arrependimento.
Cultivo o olhar desembaraçado
as póvoas desabitadas
em mapas graníticos
que rompem as serranias
cavando os caudais
os juros colhidos dias depois
na lhaneza de uma torneira franqueada.
Invisto no imprevisto
abraço o arnês lasso
fautor de conspirações
dissipado no atestado
mentor do impudor:
o invariável coturno soturno
por falta de arrumação
por falta
de desconfiança.
É o mel contínuo
a boca sem contraste
a medalha de mau comportamento;
a mediania,
sim, a mediania,
oh lacustre imponderabilidade
que nos entranha o ADN de nenúfares:
essa
tanta
fragilidade;
o frugal desejo desmatado
pólvora humedecida pelo orvalho fundeado
e lá longe
o coaxar das rãs e o sibilo dos pássaros:
a gramática da noite ausente.
De
tanta
a fragilidade
junta:
as mãos ermas
polvilhando as florestas robustas
desmentindo os arquitetos serviçais
no provérbio sem formatura
que testa
as paredes de vidro.
De cada vez que atiras a mão
as lágrimas amotinadas retesam-se
como se as estradas perdessem as curvas
e de um pesar militante
se fizesse silêncio.
De cada vez que recolhes a mão
o labirinto aperta a jugular
dissolve a voz prometida
e as danças amestradas sobem aos dedos
só para calarem o silêncio.