6.10.24

#3281

Arremato 

ao sonho atrasado 

o palco sem sombra 

e remo sem medo do sono 

pelo caudal feito pelas mãos tutelares.

5.10.24

#3280

A república 

abriu concurso público: 

precisa de ser vitaminada 

com botox e quejandos.

4.10.24

Rede

Sou a tua mão que sente o tremor quando o luar se esconde por nós. O cais que sabe por ser a manhã que enfeita o olhar. Sou essa porta à procura de moldura no vento desafiado pela noite sem mordaça. O destino que responde por outros destinos. Uma vaga lembrança do futuro, escrito na combustão das sílabas, na saliva tatuada na pele. A estrofe, que sussurra a maresia que deixamos sonhar por nós.

Injustiças indocumentadas (439)

A porca 

coitada

torceu o rabo 

e ninguém se importa 

com a entorse.

#3279

O grande capital 

mede 

para aí 

um metro e noventa.

3.10.24

#3278

Nacionalizem-se 

as nacionalizações.

2.10.24

Injustiças indocumentadas (438)

Moral,

da História.

 

[Continuamos a brincar aos bombardeamentos]

30.9.24

Tolos

A voz assanhada

entreabre os poros 

e impetuosa abeira-se

dos vadios sem rosto. 

 

Conta enredos mestiços

na cortante intimidade

em que se levantam os olhos

um contrabando sem pena. 

 

Ávidos de histórias

os mecenas retiram fração

de um êxtase sem parágrafo

a moldura para memória futura. 

 

No trono das desfeitas

contam-se os contratempos

a usura que nos mete em bolsos

numa despátria que agradecemos.

Injustiças indocumentadas (437)

A hora era de ponta 

mas não era de mola.

#3277

Na pele 

o alfabeto dourado 

que sobe no púlpito 

da manhã. 

29.9.24

Revelia

Teces as lágrimas

no mosto da maresia. 

As avenidas largas,

o idioma que atravessas

no musgo que se aviva nas pedras antigas. 

No rumorejo da manhã

arrematas a esquálida impressão da angústia:

não te demovem os fantasmas 

que à revelia se entontecem 

com as estrofes que saem da tua boca;

se pudesses 

calavas os indignos que cavalgam nas notícias

a única forma de censura admitida a concurso

para às pessoas legares 

o des-pesar da alma arqueada. 

Não dás ao sono uma capitulação. 

Se não puder ser pelos modos propostos

será com a mediação do fingimento. 

Nessa altura

todos saberão o segredo

do exílio sem mudar de pertences.

28.9.24

#3276

Um ziguezague furtivo 

finta o ocaso militante

adultera a noite 

com uma promessa de voz.

27.9.24

Ao circo

Um litro de farsa,

era

por obséquio. 

Sentia o sangue impronunciável

a querer meter o gancho no garrote

para não escorrer num frenesim escolástico

até atingir 

o imperturbável estado de estátua;

antes que fosse possível

as vendas foram consumidas por térmitas 

o do coldre saltou

excitado

o revólver acusado:

e todos aceitavam

antes fazer de conta

do que contar 

cadáveres daqueles com direito a sepultura. 

Depois disso 

alguém bolsou consoantes

(as vogais ficaram a cimentar as proteínas). 

As náuseas

não são objeto de disfarce.

Injustiças indocumentadas (436)

Massage 

in the bottle.

#3275

A noite 

na sua frágil janela 

esconde-se do medo.

26.9.24

Injustiças indocumentadas (435)

Contas os números 

mas os números 

não te contam nada.

Injustiças indocumentadas (434)

Deu uma volta ao mundo 

e o mundo 

agradeceu tanta generosidade.

#3274

À boca do lobo 

os verbos famintos 

na cerca dos estouvados.

25.9.24

#3273

Por conta dos dedos 

que amaciam o dia 

como se a pele sonhasse 

com os sonhos avivados na carne. 

24.9.24

Efeito rolha

Se são atirados os dados 

e uma confissão amanhece 

em vez das paredes caiadas

avivando mentiras hibernadas 

o tecido anquilosado

ou as bermas que não chegam a páginas 

fingem os fingimentos 

os fígulos sem juras anotadas 

no célere embasar da lua admirada.

#3272

Agarrados à loucura em embrião

somos mediadores dos disfarces 

os melhores embaixadores do não-eu.

23.9.24

Ponto; e vírgula

As aldeias falam cedo de mais.

Balbuciam as palavras perdidas 

as que as viúvas apanham do chão.

Das artes deixadas sem legado 

torna-se o futuro procurador; 

as horas socorrem o enfado 

e os velhos já não se arrastam 

nas mesas dos cafés 

na língua comprida 

de quem muito a exercita

na viuvez dentada que arpoa outro dia.

São estas suíças mal aparadas 

e os xailes descuidados

que rimam com a canseira da velhice. 

Os outros 

ainda só aspiram ao envelhecimento,

tão ingénuos e inglórios.

#3271

Deixa estar o futuro 

no lugar a que pertence.

22.9.24

#3270

O elixir dança 

nas veias embuçadas

destrona o vício da vida descendente.

21.9.24

#3269

As lágrimas chamam por um lenço enxuto 

as armas pedem um lençol desembargado.

20.9.24

Injustiças indocumentadas (433)

As pessoas 

fogem a sete pés, 

embora só tenham dois.

Injustiças indocumentadas (432)

amigos do peito; 

e do resto?

#3268

Não mandem 

os mastins ao dentista, 

precisamos da carne intacta.

19.9.24

Pétalas dançantes

Despejo o fogo perdido no coldre puído. 

As entranhas sacodem as orações avulsas. 

Não foi em vão o destino à míngua de bússola. 

O amanhecer irradia os rostos adiados. 

Alguns fazem-se adidos das esculturas perenes:

se pudessem também eram perenes;

se soubessem, antes ficassem como são. 

Os arruamentos são como muralhas;

escondem dos corsários as incontinentes misérias. 

Escondem-se envergonhadas pelo que não são. 

Fogem dos dias alumínios que roçam as arestas. 

A carne viva cuida das cicatrizes 

no provável silêncio. 

Não são a matéria apodrecida que dança 

no avesso das ondas. 

Não são o ciciar espectral que denomina o medo. 

O xisto endurecido é a cama para a fala continua. 

A encomenda dos pesares não precisa de procurador. 

Destemidas as almas que voam no sonho dos dias 

no lugar onde o medo se extinguiu 

e o arnês ficou vago.

Injustiças indocumentadas (431)

Há os que cantam 

e seus males espantam 

e os que cantam 

e em nós males semeiam.