13.11.24

#3319

Um passatempo 

que passa o tempo

é um contratempo.

12.11.24

Fato de três peças

Trago 

num peito incisivo

a âncora que sonda as funduras submersas

onde a luz não acende o dia

na gramática sentinela que se depõe a meus pés. 

 

Trago 

enquanto orquestro a apneia

os versos que hasteados no promontório

meu alimento contumaz

no irrealizável sonho sem costuras atadas. 

 

Trago

o que trago de herança

e na digestão vagarosa

enquanto traduzo o luar que se agiganta

componho a luz síndica que uso como candeia

antes que a manhã 

me venha sentar no miradouro que dá 

para o estuário. 

 

O que trago 

amarrado à auréola disfarçada

não é o imperativo pesar

a massa aguda que cimenta a angústia

 

(que não é de dor que fala o peito)

 

uma avalanche de lágrimas outrora retesadas

as cortinas que escondem o dia solar

um tríptico 

que afunda o rosto numa viela perdida

a palavra ermo que fica sem paradeiro por medo

os sortilégios empenhados nas sinuosas varas 

que desalinham o dia. 

 

Trago 

o que trago com a boca faminta

à medida que trago o que de mim ao peito trago. 

 

Não é contumácia

desenhar os deslimites que avisam a fala

nem combinar com os que boicotam os deuses

uma dança desordenada

só para celebrar a deposição dos deuses

à mercê de sepulturas que desfilam 

no campo do olhar

imaginadas

puramente imaginadas

sem os embaraços 

que a cultura dos dias repetidos

embainha. 

#3318

Sangra a revolta

na apoteose arrematada.

11.11.24

Às cinco em ponto

Empresta-me o teu cacique

à troca de um panamá jeitoso

para deslumbrares no baile vespertino.

 

Os facínoras plantados não se devolvem

ficam ao vento, desorgulhosos dos ardis

enquanto as madames bebericam o chá

e comentam o tom rosado da atualidade

dedilhando viciosamente as madeixas.

 

Nos ajuntamentos junto ao adro

combinam-se atos de obediência:

o luto será sempre a negro

a menos 

que saiam em exílio por dissonância.

#3317

Um vaso aberto 

os estilhaços bebendo na mão 

a noite baça pela voz do nevoeiro.

10.11.24

#3316

Abrigo 

os verbos navegados

os espelhos que ateiam a manhã temperada 

o lugar elevado 

onde contrato o mundo desavisado. 

9.11.24

#3315

Um grama de alquimia 

um grama só

em troca da trama exímia.

8.11.24

A inteligência perseguida

Entorta-se a calha por onde segue o dia.

As garras já não estão escondidas.

Travam-se as falas por medo de serem cometas.

Dantes eram embaraços, agora descolonização.

Às ideias viúvas fica a celebração corrompida.

 

O torno é preciso para reparar o dia.

A pele arranhada sofre de tatuagens castas.

As bocas fugiram do silêncio e dizem luares.

Combinam a soberania sem ser furtivamente.

Nem toda a corrupção fica na litania da lei.

Mapa

À porta

sem fronteira

à espera 

de ser forasteiro em todos os lugares

esquecido o relógio

nas mãos apenas a nudez inteira

e o riso fermentado na saudação do mundo.

#3314

Atiro os dados 

e recolho da toalha pendida 

a rendição do dia mordaz.

7.11.24

Alfa

No ciciar da voz

escondem-se os versos embotados. 

 

As batas escuras

atravessam o deserto 

sob o sol punitivo

os olhos amarelecidos 

como se estivessem colonizados. 

 

Discorrem as páginas divididas

um escafandro depois do dia vindicado

para às mãos erradas não termos entrega

salvam-nos as mães renascidas. 

 

O óbito do pudor

encena-se na câmara de espelhos

na geografia onde mandam os labirintos

os cantos válidos que se combinam

nas bocas que não cedem ao desânimo. 

 

A lua está talvez povoada:

dizem 

que os sonhos têm lá procuração

e no vivo atilho que aformoseia os rostos

se vê projetada a chama do luar

um lugar sem nome 

que chama pelas árvores. 

 

Do amanhã não se enfeitam os lábios 

nem esperam que seja em bancos gastos

pela ordem do dia 

– como se o dia desse ordens 

e uns capatazes resgatados à indigência

vigiassem as ruas todas

as esquinas todas

o dicionário todo

de A a Z. 

 

À porta

o poema cavalga

as rédeas sobranceiras aos despojos matinais

e as vozes que se existam no gradeamento

expulsam vultos tiranetes

senhoras e juízas da atalaia maior. 

#3313

Gaguejas o intempestivo vagar

e esperas que façam de conta 

os figurões em forma de senador.

6.11.24

Etapa cinco

Belo o apogeu que não cresta

aparafusado ao braço que denta no voraz

a não beligerância que aferroa a árvore cega.

 

Apetite que amanhece 

contra os sofás puídos dos estetas 

a vibrante cegueira disfarçada de venda 

o formulário burocrático que adia o tempo.

 

A colmeia rege o rigor da luz 

não se entediam os lúdicos apostadores do dia

e escutam 

com a proverbial atenção dos distraídos

o que dizem os embaixadores do silêncio.

#3312

Não queremos, 

mas somos,

a vingança sobre a História, 

a tragédia arrematada no futuro.

5.11.24

A porta arrombada

O largo ensejo de parecer estátua

devolve ao aço fundido a vontade anestesiada. 

Por fora dos pesares

onde os verbos da angústia foram destronados

só a névoa estremunhada 

que não atraiçoa as palavras. 

E se os dedos trémulos os versos não curarem

atirem-se os medos ao pelotão de fuzilamento

encardidos pelos vetustos embaixadores 

que falam com a cara do avesso. 

Sortes as várias noites sem ouvir o vento

e no pecúlio dos sonhos

em matéria incandescente

as folhas caídas 

no inventário das imagens colhidas

em vez da metamorfose à força

em vez 

do desamparo a caminho da solidão. 

Arrumadas as intransigências

ao ouvido soam tiranas que colonizam as mãos

ou as mães que partiram sem saírem do lugar

mas da sua ausência sobram cinzas avulsas

espalhadas pelo chão paredes-meias 

com as folhas vertidas pelo Outono. 

Ao demais

sufrago as armas depostas

a fidúcia toda empenhada no sangue 

que ensina as veias

o martelo pneumático 

que semeia o ruído mecânico

em quem 

com as costas viradas do avesso

no absurdo equívoco 

desafia os mastins generosamente armados. 

Injustiças indocumentadas (457)

O homem que dava ideias 

– ah, tanta gratuitidade filantrópica.

 

(Ou apenas 

como banalizar o mercado das ideias 

e elas 

residualmente baratas ficam).  

#3311

Somos ourives da filigrana 

em que tecemos a vida.

4.11.24

Areias movediças

O gólgota pardacento 

vomita as vírgulas fora do lugar

e as divindades em consórcio 

abusam do futuro,

combinam sem desacerto 

a alcatifa do tempo.

Injustiças indocumentadas (456)

No que toca a estados de humor 

a lua cheia é pior 

do que o quarto minguante? 

#3310

Os fogos atiçados 

nos saldos da lucidez 

a língua errante 

na voz dos demónios.

3.11.24

Injustiças indocumentadas (455)

Afinal

são puídos

um punhado, ou muitos, 

dos colarinhos brancos.

#3309

Dentro desta irrisória enseada 

descubro a alquimia hasteada

o porto invisível onde faço morada.

2.11.24

Injustiças indocumentadas (454)

Mandou dizer 

que não se podia retratar 

porque não tinha 

a máquina fotográfica à mão.

Injustiças indocumentadas (453)

O uso do fruto.

Usa o fruto.

Usufruto.

#3308

Garfos mudos irrompem 

com a violência da manhã,

disfarçam rostos amestrados.

1.11.24

Injustiças indocumentadas (452)

Não

tenho nada a dizer.

Não tenho 

nada a dizer.

Não tenho nada 

a dizer.

E isto 

é um poema?

#3307

Dançava no fio da incógnita 

o corpo avessado

tartamudeando as sílabas disformes.

31.10.24

#3306

O braço da rendição 

aviva o estuário

e foge à moldura embainhada.

30.10.24

Vendaval

Deixassem falar o vendaval.

Na sombra do sangue agitado

cabiam cinco noites sem dormir.

 

Oxalá 

os pescadores não tivessem ido ao mar.

 

Agora 

as mulheres 

sentem-se viúvas em desassossego

como se contassem a gramática do medo

como prece contínua.

 

Maldito 

era o vendaval.

Não lhe tivessem dado nome

e ela talvez não se amotinasse.

#3305

A tocha acesa 

incendeia as lágrimas errantes 

no distrate do baraço 

que emproava a forca.