12.11.24

Fato de três peças

Trago 

num peito incisivo

a âncora que sonda as funduras submersas

onde a luz não acende o dia

na gramática sentinela que se depõe a meus pés. 

 

Trago 

enquanto orquestro a apneia

os versos que hasteados no promontório

meu alimento contumaz

no irrealizável sonho sem costuras atadas. 

 

Trago

o que trago de herança

e na digestão vagarosa

enquanto traduzo o luar que se agiganta

componho a luz síndica que uso como candeia

antes que a manhã 

me venha sentar no miradouro que dá 

para o estuário. 

 

O que trago 

amarrado à auréola disfarçada

não é o imperativo pesar

a massa aguda que cimenta a angústia

 

(que não é de dor que fala o peito)

 

uma avalanche de lágrimas outrora retesadas

as cortinas que escondem o dia solar

um tríptico 

que afunda o rosto numa viela perdida

a palavra ermo que fica sem paradeiro por medo

os sortilégios empenhados nas sinuosas varas 

que desalinham o dia. 

 

Trago 

o que trago com a boca faminta

à medida que trago o que de mim ao peito trago. 

 

Não é contumácia

desenhar os deslimites que avisam a fala

nem combinar com os que boicotam os deuses

uma dança desordenada

só para celebrar a deposição dos deuses

à mercê de sepulturas que desfilam 

no campo do olhar

imaginadas

puramente imaginadas

sem os embaraços 

que a cultura dos dias repetidos

embainha. 

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